CAPÍTULO 23 - Um passado não esquecido, parte final

56 10 14
                                    

  Jason foi tão rápido quanto uma flecha e ziquezagueou entre mim e Kevin, me pegou de surpresa pelo pescoço.
  - Você não é nada, Chloe Blanche - sufocou-me com mais força.
 
  Ele tinha razão, eu não era nada. Tive confiança o suficiente para acreditar que eu faria alguma diferença entre eles, mas nenhuma fiz. Sabe, Kevin era o Lobo Vermelho, Ethan a Águia Dourada, e eu era... bom, eu era só a Chloe Blanche. Aquela que entrou em alta depressão por três longos anos após perder o irmão, ao sobreviver de um naufrágio onde o resto de sua família tinha sido morta. E agora, o mesmo assassino do meu irmão, me dominava por inteiro sem nem esbanjar esforço.
  Mas, e aí? O que eu podia fazer? Entrar em outra depressão, odiar todas as pessoas ao meu redor e me achar superior só porque uma tragédia aconteceu comigo? Não, eu não cometeria o mesmo erro novamente.
  
  Há seis anos, houve um dia especial para mim. No acampamento, quando Louis ganhou o campeonato anual de espadachins do acampamento.
  Acordei cansada, devido a festa que houve à noite por conta de sua vitória. Lembro-me de ter o visto se beijando com uma garota loirinha, na festa, escondido atrás de uma árvore. Quem dera mamãe estar viva para saber de uma coisa dessas. Que barbaridade, Louis.
  - Bom dia, bebê - disse-me ele com um beijo na testa.
  - Não me chama de bebê, Louis - disse eu ríspida.
  - Por que não posso te chamar de bebê, bebê?
  - Porque não!
  - Cruzes, como você tá chata hoje, hein! Se continuar assim, você não vai participar diversão de hoje.
  Ele tinha isso, todo dia arranjava algo novo para fazermos, mesmo o acampamento não sendo lá tão gigante, haviam cantos inexplorados pelo resto do pessoal, nos quais apenas Louis achara para brincarmos. E nem mesmo Wind sabia deles. Ou sabia?
   - Já não se divertiu o bastante ontem à noite?
   Ele me olhou com estranhesa.
  - O que quer dizer com isso? - Levantou uma sobrancelha, enquanto me olhava de lado.
  - Eu vi você e a... como é mesmo o nome dela? Fernanda. É, a arqueira brasileira. Acho que Wind não iria gostar de saber disso. Não é permitido ficar se pegando pelos cantos aqui e...
  - Tá legal, tá legal! - Louis me interrompeu. - O que você quer?
  Pensei bem, avaliei a situação e me toquei do que era mais importante para Louis: sua adaga dourada, que ganhara após liderar sua primeira missão.
  - A ada..
  - Não, não, não! - Me interceptou ríspido. - Aquilo vale ouro, literalmente, e você sabe que sem ela eu não tenho sorte em nada. Nem mesmo nas batalhas, quer ver seu irmão morrer?
  - Adoraria! Agora me dê a adaga.
  - Você - ele soltou um peteleco em minha testa - , ainda tem dez anos, não pode nem tocar em algo afiado e pontiagudo como esse.
  - Você disse que eu precisava aprender a me defender! - Joguei meu travesseiro nele.
  - Mas não disse que era tão cedo assim! - Ele devolveu o bombardeio de travesseiros.
  Por algum motivo nós rimos. Assim que paramos, Louis indagou:
  - Não quer mesmo participar da diversão de hoje? - Seu sorriso foi malicioso.
  - Que seria...?
  - Brincar de ser Tarzan! - Ele abriu os braços como se aquilo fosse esplêndido.
  Eu ri pela tremenda idiotice.
  - Tá louco, Louis?
  - Sério que você não imagina o quanto é legal se segurar em um cipó e pular do topo da árvore mais alta?
   Coloquei a mão no queixo, daquele jeito que fazemos quando estamos analisando a situação.
  - É... Deve ser.
  - Então vamos!
  - Transitar entre cipós? Mas já? Eu ainda nem tomei banho.
  - Pois tome logo, Chloe. Não sabe o que está perdendo.
  - Ai - bufei.- Tá bom.

  Era uma manhã linda, haviam lêmures na floresta e alguns deles subiram em mim e ficaram brincando com meus cabelos. Louis deu a eles uma pera para que comessem. Logo então chegamos, me surpreendi, " Ah, você vai pular do topo da árvore mais alta" , que mentira, nós estávamos escalando uma árvore menos que mediana.
  - Você disse que seria uma árvore maior - resmunguei com a cara fechada.
  - Não de primeira. Você tem que primeiro pular das pequenas. Sabe, pra pegar o jeito.
  - Ah, tá bom.
   Avistei logo um cipó próximo a mim, não lembro-me bem o porquê mas eu estava com adrenalina
 no sangue. Queria muito saltar com aquilo. Entretanto, Louis me interceptou.
  - Sério que iria pular com esse cipó?
  - O que tem de mal nele?
  Ele me respondeu puxando-o com leveza. O cipó estava tão frágil que se fez em pedaços. Se eu tivesse pulado com ele, com certeza, estaria no chão em prantos com algum osso quebrado. Meu Deus, eu e meu jeito estabanado.
  - Meu Deus, Chloe, você e seu jeito estabanado. Nem olhou se ele lhe aguentaria. - Meu irmão ficou analisando os outros cipós, escolheu um e o puxou com força para ver se estava firme. - Pronto, esse está bom. Irei primeiro, para você ver como faz, depois você vem, ok?
  - É. Ok.
  Louis antes de ir soltou o famoso grito do Tarzan, meu Deus, até onde ia a idiotice do meu irmão?
  Caramba, como aquilo foi radical, ele saltou se agarrando ao cipó e na hora certa, o soltou, assim caíndo em cima de outra árvore que estava no lado oposto ao nosso.
  - Uau! - Não pude me segurar. - Isso é muito legal! Posso ir?
  - Sim, mas vem nesse mesmo cipó, os outros estão frágeis demais para o seu peso.
  Ah, não, ele tava brincando, não é? Meu imão havia me chamado de gorda?
  - Como é, Louis Blanche? Eu vou te pegar, e vai ser agora!
  Saltei e me agarrei ao cipó. Aquilo foi muito irado, entretanto, minha vontade de dar uns socos em Louis absorveu isso. Caí na árvore de Louis, ele ria por me estar me irritando, como sempre. Estendi meu braço para agarrá-lo, mas aí o inesperado aconteceu: o galho em que estávamos quebrou e, diferente das folhas, nós caímos depressa.
  A genta ria e se contorcia de dor ao mesmo tempo.
  - Tá vendo? Nem o cipó aguentou seu peso.
  Nós rimos.
  - Ele só caiu porque nós dois estávamos nele.
  - É. Tá bom.
  Nos viramos para ficarmos com as costas no chão e olharmos pro céu. As inúmeras árvores e suas folhas interrompiam que os raios solares nos cegassem. Tive uma cócega momentânea quando um lêmure passou correndo por cima de minha barriga.
  - Eles gostam mesmo de você, hein.
  Não sei o que deu em mim, mas senti necessidade de falar algumas coisas a Louis.
  - Louis, obrigado.
  Ele me olhou com estranhesa.
  - Por que? Por ter te trazido para pular de cipó? Ah, não tem de quê.
 - Não, não é só isso. Sabe, depois que o papai e a mamãe se foram e nós vinhemos para cá, eu nunca pensei que cuidaria de mim tão bem quanto você cuida. Foi muito difícil pra gente -quis chorar mas consegui me segurar - , e você não se importou e ficou firme para tomar conta de mim. Muito obrigado.
  - Você até tenta, mas não consegue deixar de ser fofa - acariciou minha bochecha enquanto zombava de mim.
  - Ah, para seu idiota - dei um tapa em sua mão para afastá-la de meu rosto.
   Ele olhou para os céus mais uma vez.
  - Pra ser sincero, maninha... Acho que às vezes você que cuida de mim.
  Nós dois sorrimos e passamos um bom tempo observando o céu.

  Voltando ao presente percebi que esse foi o erro na minha vida toda. Quando nossos pais morreram, Louis poderia ter ficado depressivo e nunca mais ter seguido com sua vida, descontar a raiva em todos que estivessem ao seu redor e ignorar aquilo que há de bom no mundo. Mas não, ele cuidou de mim até o último dia de sua vida, sem fraquejar e deixar com que a situação ruim o vencesse na guerra contra si mesmo. E ali estava eu, fazendo tudo isso depois que ele se foi, sendo o que ele menos queria que eu fosse: a pessoa errada. Então, naquele momento em que Jason me agarrava com força pelo pescoço, prometi a mim mesma que nunca mais erraria novamente como pessoa. Que seria eu mesma, mas renovada.
  Jason havia me dito que eu não era nada, mas agora eu sabia a resposta:
  - Eu sou Chloe Banche, uma nova Chloe Blanche!
  Então o agarrei pelo braço que me sufocava e com a outra mão testei minha nova manopla - presentinho de Aurora. Bom, acho que ela funcionava, pois a força despejada pelo soco foi tamanha que Jason voou como se houvesse sito colocado em uma catapulta e lançado para longe. Enfim pude aliviar minha garganta. Kevin se pôs em posição de defesa levantando verticalmente sua espada ao meu lado.
  - Você tá bem?
  - Sim, por que? Está com sono?
  Ele riu. Acho que ainda não havia percebido, mas seus dentes caninos já estavam pontiagudos como os de um lobo. De fato, eu achava aquilo muito show.
  - Ainda aguento mais um pouco. Sabe que isso não parou ele, não é? - Disse ele indicando Jason com a cabeça, que mesmo com o forte soco logo se levantou atordoado.
  - Sei. Mas nós vamos pará-lo - afirmei.
  Kevin girou Longinus em suas mãos, o brilho que irradiava da lámina fez arcos no ar.
  - Espero que você tenha amigos no inferno, Jason. Porque aqui, ninguém sentirá sua falta.
  
 
 

A Sexta Irmandade (Vol.1) - O Lobo Vermelho Onde histórias criam vida. Descubra agora