CAPÍTULO 16 - A melhor recompensa

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  O engraçado era que naquele mesmo dia, eu havia enfrentado anões, policiais raivosos, um mensageiro, mais um controlador de pesadelos e a fúria de uma amiga que não queria me deixar partir. Sentado na grama do quintal, repensei tudo isso enquanto desenhava com as minhas unhas algo aleatório em meu braço, eu sentia menos dor devido às mutações trazidas pelo poder do Lobo. E à propósito, minhas unhas tinham crescido e se tornado pretas. Estavam com o dobro do tamanho agora e pareciam não se quebrarem tão facilmente. Acho que no final de tudo eu me tornaria uma aberração, com fumaça saindo pela boca e unhas grandes como as de uma velha.
  - Relaxa, elas não irão crescer mais do que isso. - Disse Chloe atrás de mim. - Pelo menos eu acho, você é todo especial.
  - Especial e diferente, não são a mesma coisa. - Respondi ríspido.
  - Seu pai não importa agora, já esquecemos isso. - Disse ela sem olhar em meu rosto. - Só temos que ir...
  - Até Liverpool.
  Ela fez que sim com a cabeça, ainda sem olhar em meu rosto. Arrancou um pequeno galho da árvore mais próxima e começou a afiar sua ponta com uma de suas facas.
  - Tome. - Me entregou uma barra de cereal. - Nina disse que já faz algumas horas que não come.
  - E vocês?
  - Comemos agora pouco.
  - Certo. Obrigada. - Aceitei a barra. - Chloe. Quando nós enfrentamos Jeff, o que você viu?
  - E você, quando matou Hajick, o que sentiu?
  - Qual de nós responderá primeiro? - Consegui sorrir com esforço.
  - Primeiro as damas. - Disse ela.
  Ficamos sem nos olhar, era como se no chão houvesse um ponto fixo no qual tinhamos que pregar o olho nele por várias horas.
  O silêncio foi quebrado por mim.
  - Por que tem interesse em saber o que senti quando o matei?
  - Porque cada um sente algo diferente. Às vezes, o que sentimos nesses momentos, define quem somos.
  - E você? O que sentiu?
  - Você já me fez uma pergunta.
  - E você não respondeu. Respondeu?
  Ela terminou de afiar seu graveto e o fincou na terra com brutalidade.
  - Quer saber o que vi? Eu vi meu irmão tendo sua última conversa com Jason, então ele esperou Louis se distanciar e quando teve a oportunidade, o puxou pelo colarinho e enfiou uma espada pelas costas dele. Essa mesma espada que seguras agora quando luta contra as aberrações que nós lutamos. Logo então, eu vi a figura horrorosa de Jason se agachar perante ao corpo caido de meu irmão e dizer " O poder que quero, não pode ser dividido". - Ela fez uma breve pausa, talvez para recuperar o fôlego e segurar algumas lágrimas. - Os vermes, as moscas, ou qualquer tipo de inseto se abrigou no Louis, até que não havia restado mais nada... Eu vi minha única família morrer de tal maneira, que não teve chance de se defender e nem revidar. A traição... foi isso que eu vi.
  Eu poderia ter falado palavras reconfortantes e dito o quanto sentia muito pela morte de seu irmão, mas com certeza, Chloe já estava cansada de ouvir aquilo. Eu sempre sinto a necessidade de ajudar os outros, mas ela não podia ser ajudada. E além do mais, eu não estava tão hábito a essas situações. Porém, eu poderia lhe conceder algo.
  - Jeff disse que Jason está com Rapina.
  - E? - Bufou ela.
  - Quando acharmos ele, eu prometo, que deixarei você matá-lo. Mesmo que eu tenha a oportunidade, essa honra é sua, por direito.
  Ela ficou calada por alguns instantes, assim como eu. Enfim, sua cabeça fez que sim novamente. Como se apenas tivesse aceitado meus termos e não hesitaria em fazer tal ato contra o assassino de seu irmão.
  - Sua vez. Responda minha pergunta.
  - Disse que aquilo que sentimos quanto matamos alguém nos define. Mas não sei se é verdade. Quando matei Hajick, senti um vazio, algo que não podia ser preenchido por qualquer alegria ou sensação de orgulho. Caralho, eu estava matando alguém. Por outro lado, eu sabia que era necessário, quantas mulheres ele havia estuprado e deixado-as para morrer, incontáveis números, pelo que Ethan me disse no caminho de volta. Talvez ele tenha achado que isso faria eu me sentir melhor. Mas o mal é o mal, não importa se é um estuprador de mulheres ou uma criança praticando bullying com outra nos corredores do colégio, ele tem que ser impedido. E da minha forma, impedi Hajick.
  Chloe escutou em silêncio tudo que eu disse, talvez tenha compartilhado dos mesmos sentimentos.
  - É hora de irmos.
  Ela se virou e seguiu andando até o interior da casa, iria aprontar os outros e, possivelmente, apagar qualquer evidência de que estávamos na casa. Chloe era do estilo mais pensativa, não deixaria nada passar despercebido. Então ela jogou as embalagens de salgadinhos no lixo de fora, limpou todas as nossas pegadas feitas por barro no chão limpo, entre outras coisas. Ela só não podia consertar a árvore que Ethan havia derrubado na luta contra os anões. Isso eu deixaria Liz arranjar uma desculpa plausível ao seus pais.
  Segui até a cozinha para falar com Nina, lá ela estava ajeitando sua mochila e limpando a louça que usou para preparar o chá de Liz, assim como Chloe, ela também tinha que apagar suas evidências. Pra ser sincero, eu não sabia o que falar, mas eu tive vontade de mostrar a ela que eu ainda estava ao seu lado, independente de qualquer hipótese que fosse levantada ao nosso parentesco.
  - Quando você chegou no acampamento, eu fiquei um pouco desesperada, sabe? Tinha tantos ferimentos: no peito, na coxa, nas costas, em todo local. Meu pai havia dito que eram os lobisomens, eu nunca havia cuidado de feridas como aquelas. Mas eu dei o máximo que eu pude para lhe consertar, consegui. O que sempre pensei, foi que as pessoas tentavam me recompensar com ouro e roupas melhores a cada cura que eu fazia, ou vida que salvava. Nunca me senti confortável com aquilo. - Mesmo de costas, eu sabia que ela estava estampando aquele sorriso fofo em seu rosto. - Mas, quando você saiu daquela cabana, com um sorriso, olhando para mim, eu me senti tão bem. Aquele sorriso, foi a melhor recompensa que tive.
  Ela se virou e me abraçou forte, não pude me conter em devolver a força do abraço. O cheiro que ela emanava era tão doce, que até seu nariz humano sentiria, acharia reconfortante tê-la em seus braços.
  - A melhor recompensa que tive foi você. - Devolvi a ela.
  Nina encostou sua testa na minha. Oh, céus, como eu queria beijá-la, mas eu não sabia a verdade. Não que eu desconfiava que Wind fosse meu pai, mas eu não podia arriscar que tal pecado fosse cometido por nós, eu era cristão, e acima de tudo, consciente de meus atos. Rezava para Deus todas as noites, por dois motivos. O primeiro, para que a alma de minha mãe fosse levada ao paraíso, se ele existisse. E o segundo: para que ele me perdoasse por todos que eu iria matar, era fato consumado, Hajick não seria o único. Sem contar os monstros.
  - Nina, eu não posso. - Tais palavras doeram tanto que a espada que Hajick atravessou em mim havia se tornado nada.
  - Eu sei que não. Mas eu gosto de você.
  - Eu também gosto, e por isso não posso.
  Ela chorou um pouco e fez que sim com a cabeça. Apenas a soltei, e pedi para que arrumasse logo sua mochila. Não havia como acreditar que ela era minha irmã. Seus cabelos lisos e cortados até o queixo, sua estatura baixa, seus olhos, tudo dela era diferente de mim. Mesmo antes das mutações.
   Agora já se aproximava das quatro da tarde. Definitivamente, era hora de ir. Beijei a testa de Liz, que ainda dormia, e rezei para que quando acordasse não tivesse interesse em ir atrás de mim. Sabe se lá onde eu estaria nesse momento.  Mas era melhor eu ir embora, ainda tinha uma missão, minha presença lá só colocaria a vida de minha amiga em perigo.
  Do quintal, Ethan chegou correndo.
  - Um dos anões, antes de virar pó, deixou uma escritura feita por sua chefe, Rapina.
  Nós três; eu, Chloe e Nina; olhamos para ele com estranhesa.
  - E o que isso quer dizer? - Perguntou Chloe.
  - A escritura estava em uma lingua antiga, não consegui identificar totalmente. Mas dizia que o comboio de Rapina está indo até Liverpool em um trem que foi tomado por ela e seus homens, um pequeno exército de Azuis já está lá, mas Rapina ainda não. Temos que chegar nesse comboio antes que saiam e nos infiltrarmos nele para chegar até Liverpool da melhor forma.
  - Que horas sai esse comboio? - Perguntou Chloe avulsa.
  - Não consigo identificar os números nessa língua.
  - Qual língua? - Perguntou Nina puxando um livrinho de sua mochila.
  - Rotrak.
  - Certo, língua Rotrak, esse livro tem que ter Rotrak.
  - Ah, também tem língua Rotrak nos meus livros didáticos. - Brinquei.
  - Cala a boca, Kevin. - Chloe voltou a parecer com ela mesma.
  - Vamos, Nina. - Disse Ethan.
  - Acalme-se, tem trezentas línguas com a letra R. - Revirou mais algumas páginas. - Achei! Língua Rotrak, números.
  - Aqui tem uma letra que parece um T, entretanto é como se tivesse outro T colado em baixo.
  - Certo. - Nina pesquisou pela página. - Significa "Quatro".
  - As próximas letras são algo que parece com o símbolo do infinito, só que com outro cruzando ele, como se formasse uma cruz.
  - Isso significa "Três". - Afirmou Nina.
  - E tem mais uma, parece um zero.
  - É um zero. - Confirmou Nina.
  - Então, o que isso quer dizer?
  - 04:30. - Disse Chloe. - Esse trem vai sair 04:30 carregado de Azuis. E talvez Rapina.
  - Que horas são? - Perguntei desesperado.
  - 04:15. - Disse Ethan.
  - Qual a estação, Ethan?
  - Estação de trem Wonderwood.
  Me despedi pela última vez de Liz, fechei o zipper de minha jaqueta e me preparei para correr.
  - Nina. Guarde o livro, apronte o resto de suas coisas, temos que pegar esse trem.

A Sexta Irmandade (Vol.1) - O Lobo Vermelho Onde histórias criam vida. Descubra agora