CAPÍTULO 20 - Três contra dois

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  - Kevin! O que você fez? - Chloe gritou me agarrando pelo colarinho.
  - Eu mandei ela de volta pra casa.
  - E essa escolha era sua? Só me diga, vai fazer a mesma coisa comigo? -Me empurrou com força. - Ou com o Ethan? Eu posso confiar mesmo em você? Ou será como Jason?
  -Não sei se você percebeu mas a nossa inimiga vai conseguir o que quer em menos de um dia, não podemos impedi-la. Se Nina morresse, como eu iria me sentir? Eu trouxe ela ao time, um dia eu apresentarei o mundo visto por fora do acampamento para ela de novo, mas para isso ela precisa estar viva. Essa guerra não é dela, Rapina que matou minha mãe.
  - Mas era um direito de escolha dela. Se ela queria ficar então...
  - Se você podesse impedir que Louis tivesse saído para aquela missão, não teria impedido?
  Seus olhos arderam em ódio, ela quis falar algo mas não foi capaz. Me arrependi de ter tocado em Louis, eu nunca me sentiria bem se usassem minha mãe como exemplo. Como fui idiota em falar isso à Chloe. Eu não devia.
  - Olha - baixei o tom de voz intenso - , me desculpa. Eu não queria tocar no...
  - Tudo bem - ela deu as costas para mim e direcionou-se até o precipício do buraco. Eu sabia que tinha feito besteira, Chloe nunca baixava o tom e aceitava as coisas assim tão fácil.- Vamos logo, não temos muito tempo.
  Ethan persistiu em continuar cabisbaixo, como se estivésse em estado de concentração, parecia não ter se impressionado com minha atitude. Possivelmente, também não queria que Chloe lutasse na provável guerra que estava por vir. Eu já havia visto na tevê e meus amigos tinham me comprovado, toda a nossa saga seria apagada para os olhos humanos e os créditos seriam dados ao governo e às forças armadas britânicas. Eu sei, a humanidade não deveria saber sobre nós. Mas não dói em seu coração imaginar jovens daquele acampamento, ou melhor, daquele lar, morrendo sem ter ao menos o mérito após sua morte? É relevante lembrar que todos que ali estavam, perderam seus pais ou nunca acharam eles - com excessão do caso de Nina. Por isso, aquela era sua única casa, seu lar.
  - Nós vamos conseguir - afirmou Ethan, mesmo cabisbaixo não perdeu a firmeza em seu tom. - Deteremos Rapina antes que seu exército monstruoso renasça nessa terra. Entretanto, precisamos pular.
  - Obrigado, Aurora.
  - Sabem o favor no qual me referi antes? Não precisam mais me pagar.
  - Por que? Quer dizer, eu não estou reclamando mas... ah, continue.
  - Você tem o coração bom. Desde a época em que sou detentora destas florestas, eu a vi ser derrubada, queimada, maltratada. Os mesmos homens que fizeram isso, também tinham corações maus, eu sempre fui acostumada a ver o pior do mundo, quando ainda era criança - ela fez uma breve pausa. - Kirish, o primeiro Lobo Vermelho, me ensinou a ver o lado bom dos humanos. Ele me transformou no que sou, assim como transformou você.
  - Acha que posso ser algo a mais? - Perguntei eu em um vacilo.
  - Pode sim. Vocês todos podem.
  A voz de Aurora ecoou dessa vez tão intensa que penetrou a mente de nós três. Após falar que nós poderiamos ser algo a mais, posso dizer que pequenos presentes apareceram em nossas mãos. Uma aljava mais robusta, feita de madeira caiu sobre as mãos de Ethan, ela estava repleta de flechas feitas por madeira de cascalho e carvalho.
  - Poxa, obrigado - respondeu o arqueiro um pouco constrangido. - Espera... - ele olhou bem para as flechas. - Essas são as flechas de Hanna, são indestrutíveis, como conseguiu achá-las?
  - Digamos que Hanna teve uma boa batalha em minha floresta há alguns anos - mesmo sem poder vê-la, tive certeza de que sorriu só pelo tom de voz.
  Já para Chloe, uma espécie de manopla esverdeada se pôs só em sua mão esquerda. Feita de madeira e aço, o lodo tornava sua tonalidade verde.
  - Isso é legal - ela revirou sua mão em busca de entender o apetrecho. - Mas para que serve?
  Aurora riu com aprovação.
  - Finalmente, uma guerreira digna para tal arma. Dependendo da intensidade de sua raiva, ela pode lhe propocionar uma força não humana em apenas um soco.
  - Isso não é bom - Ethan murmurou.
  - Obrigado, Aurora - Chloe agradeceu em um tom sincero.
  - E para você, Kevin: Nenhum presente. Apenas um recado.
  - Ei, Aurorinha, isso é sério? - Resolvi me queixar.
  - O recado é: a floresta precisa de seu sangue.
  Parei para pensar por um instante. Ela já havia me dito isso, ainda em Bristol. Eu não tinha compreendido de início, e nem agora. Mas sabia que uma hora ou outra seria útil, afinal ela deixou de dar-me um presente, não foi mesmo?
  - E ela terá, se necessário - afirmei.
  - Ah, quase esqueci, pessoal. Nina já está em casa. - Aurora confirmou.
  Que alívio, pensei. Agora ela estava segura e eu podia lutar sem me preocupar. Quando chegasse de volta ao acampamento, teria que pedir um milhão de desculpas para que ela me perdoasse, disso eu tinha certeza.
  - Obrigado por nos avisar - Dissemos em uníssono.
  Ethan subiu seu capuz. Seus olhos castanhos estavam vermelhos pelas noites não dormidas e seu cabelo completamente assanhado. O cabelo tão bonito de Chloe estava sujo até a ponta, suas mãos com pequenos cortes, talvez adquiridos por conta das vezes em que atirava suas facas segurando-as pela lámina. Eu acharia Chloe linda se ela não fosse tão marrenta, mas Ethan gostava dela e eu sei que alguém sempre vê uma beleza oculta em nós. E eu? Com certeza eu estava acabado, pelo tanto que me machuquei, pelos ferimentos que não deixei que Nina curasse, por tudo que aconteceu com a gente antes de chegarmos até ali. Por tudo. Não estou querendo dar aquele clima de última batalha mas do outro lado, não sabíamos o que tinha. Talvez, Rapina e seu exército. Não o de monstros, afinal ainda nos restava um dia, mas sim os incontáveis Azuis que a seguiam. Graças a Deus, a recompensa que ela colocou por nossas cabeças até agora não estava fazendo efeito.
  - Consigo sentir a presença de Rapina na floresta de minha amiga Mabel, em Liverpool. Esse buraco os levará para lá. Boa sorte, meus guerreiros de pedra - falou Aurora orgulhosa.
  Ethan se segurou para não perguntar, mas foi incapaz.
  - Por que de pedra? - Indagou ele.
  - Porque são tão firmes e fortes quanto, por isso chegaram até aqui.
  Nós três nos entreolhamos e nos preparamos para o salto. De certa forma, concordamos um com o outro apenas pelo olhar.
  - Vamos! - Chloe nos deu o comando.

  A viagem foi tão ruim quanto passar por um buraco de minhoca ( quer dizer, a ciência ainda não descobriu os efeitos do interior de um buraco de minhoca) , pelo menos em 2001 ainda não haviam. Novamente, era como se nossos órgãos tivessem sido jogados para fora e recolocados dentro do nosso corpo.
  - Onde estamos? - Perguntei.
  Chloe limpou a cara suja de terra e olhou para mim com os olhos vermelhos devido à tanta areia enterrada neles.
  - Liverpool.
  - Sim! Meus queridos, Liverpool - aquela voz tão doce mas tão tenebrosa ao mesmo tempo. Como se não podesse disfarçar a vontade incessante que tinham em nos matar.
  Ethan rapidamente se pôs de pé e armou uma de suas novas flechas de carvalho.
  - Rapina!
  Chloe trincou os dentes de raiva - o que agora era algo bom devido a sua nova arma - e cerrou o punho da manopla.
  Deus. Como ela causava medo, talvez Jeff fosse o Azul do medo mas ela... tinha algo inexplicável. Seus olhos eram complemante pretos, não apenas suas pupilas, mas todo o globo ocular era completamente negro; seu rosto afilado como o de uma mulher chic; sua pele bronzeada e seu cabelo castanho que descia até a parte mais inferior de suas costas, isso era Rapina.
  - Não acredito no que meus olhos estão vendo. Ethan Jameson Hall, em carne e osso. Ou melhor, em pena e osso. Somos aves, não é mesmo, meu garotinho?
  - Eu irei enfiar uma flecha no meio desse seu olho preto se não calar a boca.
  Rapina riu demonstrando zombo à Ethan. Sua risada causava medo, mas ao mesmo tempo era doce, não havia como entender os sentimentos que aquela mulher lhe causava.
    Atrás dela, todo o seu exército de guerreiros Azuis. Coitada da Floresta de Mabel, estava prestes a ser um cenário devastado pela guerra.
  - Não se preocupe com eles, meu pequeno lobo, não irão atacá-los, não caso eu não ordene. Ah, quase esqueci - Rapina olhou para seu exército. - Tragam as gêmeas!
  Trazidas por uma carruagem que em cima era acoplada por uma jaula, estavam Sally e Sarah. Elas gritaram por ajuda, clamaram por nós.
  - Kevin! - Sally gritou.
  - Ethan! - Logo então Sarah.
  - Chloe! - E depois Sally, novamente.
  - Nós iremos salvá-las! - Gritei de volta.
  Rapina gargalhou, mas sem perder a classe.
  - Foi por elas? A Lámina da Ressurreição está comigo e é com elas que se importam?
  - Por isso não foi a capitã das Aves Douradas quando Hanna ainda estava viva - Ethan demonstrou seu rancor escondido, aprisionado em baixo daquele capuz de listras azuis. - Por isso não mereceu ser a Águia do Vento depois de sua morte, e nunca irá merecer! - Gritou. - Não de importa com as pessoas, mas sempre esteve enganada, porque era isso que Hanna mais valorizava, e não o seu poder idiota.
  - Se importar com as pessoas? - Rapina riu, mas depois desfez o sorriso devido a raiva que sentiu de Ethan. - Que exemplo de bondade você, não é mesmo Ethan Hall? Por que nunca contou a eles sobre o seu primeiro sobrenome, Jameson - disse-o com ênfase. - Ah, sim, que memória fraca a sua, hein, Rapina? Foi porque matou seu pai.
   Não. Isso não poderia ser verdade. Eu conhecia  Ethan de verdade, ele era meu melhor amigo. Desde que cheguei naquele acampamento, ele estava lá para me ajudar. Talvez não tenha sido nas circunstâncias em que Rapina queria nos fazer acreditar, mas Ethan nunca seria capaz de fazer tal atrocidade.
  Ele não disse nada. Chloe o olhou com tanta estranhesa, como se não conhecesse aquele garoto no qual era apaixonada. Ela se espantou após Ethan não ter negado a afirmação de Rapina.
  - Por que tão assustada, Blanche? Eu tenho uma surpresinha para você.
  Em meio ao exército de Rapina, um homem de cabelos brancos veio andando lentamente. Todo o batalhão se abriu para deixá-lo passar. Usava uma roupa diferente: um sobretudo de couro aberto, uma calça caqui e uma armadura de cobre. Uma barba tão mal feita como a minha, um facão na mão direita, um machado na esquerda.
  - Sério que não se lembra de mim? - O homem indagou. - Sou eu, seu melhor amigo, Jason.
  Chloe cerrou os punhos com tal força, tal raiva que talvez ela atacasse a qualquer instante. Mas tanto ela, quanto Ethan estavam se segurando, e esperando o momento certo para nós três agirmos em conjunto.
  - Tranquilizem-se - Rapina ordenou. - Meu exército de Azuis não irá vos atacar. Será apenas nós, uma luta, no mano a mano. Três contra dois. O que acha, Jason?
  - A Blanche é minha. E o Lobo também.
  - Sem problemas. Eu cuido do assassino familiar.
  Chloe puxou sua adaga com a mão não dominante da manopla. Ethan não baixou sua flecha armada. Longinus invocou-se por conta própria em minhas mãos, mas agora ela brilhava em um tom vermelho sangue vivo. Era hora de acertar as contas.

A Sexta Irmandade (Vol.1) - O Lobo Vermelho Onde histórias criam vida. Descubra agora