CAPÍTULO 15 - Aves de Rapina

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Jeff... visualmente tão novo, mas quando se tratava desses caras talvez carregasse centenas de anos nas costas. Seus olhos lembravam-me os de um gato: assustados e atentos. Não importa o quanto você se acha durão, Jeff iria lhe causar um medo inexplicável. Mesmo sem falar ou fazer algo, ele trazia consigo o medo.
- Pensei que Rapina estivésse mentindo. - Seu sorriso me apavorou. - Recompensa tão grande como aquela... - Com suas unhas grandes a afiadas cortou seu próprio lábio propositalmente. - Só poderia ser por algo tão valioso quanto. Protetores fresquinhos acabando de sair do forno. Faz o que? Seis dias? É. Por aí. Suas unhas ainda nem cresceram, Kevin.
Para mim suas palavras não importavam, o que ele sabia ou não de mim era irrelevante.
- Aquilo na minha mente. Foi você? - Tentei invocar Longinus mas eu estava fraco demais para fazer isso. Minha cabeça ainda estava a doer devido as ilusões que Jeff ( possivelmente) me causara.
- Eu não fiz nada. - Sorriu ele novamente com a boca ensanguentada devido ao sangue que saía do seu lábio inferior. - Eu apenas entrei nessa caixinha de surpresas que é sua mente, você está tão perturbado que chegou até a me impressionar. E sobre sua amiga - olhou com nojo para Liz caída ao chão. - , não se preocupe, ela vai viver. Apenas fiz ela ver coisas... apenas coisas.
- Eu também vou te mostrar uma coisa. - Chloe sacou uma adaga em cada mão.
- Ui! - Jeff colocou a mão na boca como se estivésse apavorado. - Ela é das abusadas. É assim que eu gosto.
Ethan sem pensar duas vezes armou uma flecha e mirou no garoto pálido. Mas soltou seu arco ao chão ao sentir uma forte dor na cabeça.
- O que você fez? - Trinquei os dentes de raiva.
- Mexi um pouco mais com a mente dele. - Respondeu Jeff calmamente. - Eu deveria ter os matado assim que tive a chance. Mas no papel está escrito que tem que trazer vocês vivos até o Templo de Rapina. Mas pra isso, terei que brincar um pouco com sua mente até que você adormessa. Não quero ninguém me causando problemas na viagem.
- Não haverá viagem.
Corri em disparada na direção de Jeff. Eu não conhecia seus poderes e possivelmente seria parado no meio do caminho. Era impossível um ataque à longo alcance já que minha espada Longinus não podia mais ser trazida por mim. Então eu não tinha outra escolha que não fosse atacar de frente desarmado. Chloe e Nina foram comigo. Era de se admirar a valentia que Nina havia criado em poucos dias, para quem nunca havia tido contato com o mundo real era surpreendente ter tal coragem para encarar coisas do mundo não real.
Nenhum de nós teve sucesso em chegar até ele. Todos tivemos as mentes perturbadas pelo seu poder e caímos com uma forte dor na cabeça. Tive mais ilusões como as anteriores, mas agora mais fracas. Teria eu criado um mecanismo de defesa contra isso? Ou talvez apenas me acostumado? Eu não sabia, mas senti que agora mais forte minha mente estava. Enquanto isso Chloe chorava enquanto pronunciava palavras totalmente fora do contexto.
- Não vá. Você vai morrer, Louis. Ele vai te trair, vai trair a todos nós.
Era praticamente inacreditável ver Chloe chorando. Mas aquele era seu ponto fraco, a única família que ela tinha: Louis Blanche. Morto quando foi traído pelo seu parceiro de equipe Jason. Que antes era o Lobo Vermelho escolhido por Kirish. O primeiro depois do original.
- Então isso lhe perturba? Um trágico naufrágio de navio e a morte do irmão... - Jeff arregalou os olhos ao pronunciar a palavra " irmão" . - Não acredito! - Riu com tanto gosto que bateu em sua própria coxa. - Jason matou seu irmão? Mas que filho da puta.
- Você o conhece? - Tentei levantar mesmo com a força que Jeff colocava sobre minha cabeça.
- Claro. Qual dos Azuis não conhece o amante da Rapina?
Mas quem era Rapina? Tanto ele quanto o anão haviam dado indícios de que ela oferecera uma recompensa por nós. De acordo com Jeff: Vivos. Mas por que nos querer vivos? Seria bem mais fácil mandar que nos matassem ( ou vir em pessoa fazer o trabalho sujo) e embrulhar nossos corpos para dar de comida aos lobisomens que eles tinham. Mas não, ela nos queria para algo. Ou melhor, o anão havia dito que queria Ethan, eu era apenas um bônus.
- Se vai nos matar, então pode ao menos nos contar quem é Rapina e porque ela está envolvida com Jason? - Tentei manipular ele. Se fossemos morrer, seria bom ao menos saber o porquê.
Jeff aproveitou meu estado tão mal quanto os dos meus amigos e ficou agachado de frente comigo, se eu podesse ao menos mover um braço e estrangular o desgraçado.
- Você não pode se mover, é melhor não esbanjar esforço, é inútil e só vai te deixar mais cansado. Esse é o truque para acabar com vocês, mocinhos. Trabalham tanto o corpo, mas esquecem de trabalhar a mente. Há ponto de um ser franzino como eu, poder destruir o interior de cada um de vocês. - Ele riu como psicopata.
- Apenas me conte, desgraçado. - Me esforcei mais, porém o braço apenas se arrastou pela areia.
- Certo. - Revirou os olhos como se achasse essa situação chata. - Rapina era a melhor amiga da primeira e única Águia do Vento, Hanna. Os Protetores até tinham um ditado, era algo como " Vento de ave, Rapina de carne". Antes que me pergunte o que isso quer dizer...
- Rapina é uma ave carnivora. Eu sei. - Interceptei sua fala.
- Sim. Bom chute. Mas não era apenas por conta disso, Rapina era a melhor aprendiz de Hanna, entretanto ela era brutal e agia além dos padrões do resto dos Protetores. Por conta disso, Hanna um dia teve que eleger a líder das Aves Douradas, uma organização de arqueiros que Hanna treinava e tinha como mente deixá-los cuidando de sua função quando ela morresse.
- Já sei. Rapina traiu Hanna, a matou e as Aves Douradas deixaram de existir. Por isso ela precisou escolher um novo Protetor, Ethan.
Jeff riu em baixo tom, porém com gosto.
- Já disse que você é muito bom em chutes?
- Não sou. Só era meio óbvio, todos vocês são traidores.
Jeff chutou minha cara.
- Rapina quer você e o bostinha ali vivos, mas sinceramente, não sei se vou conseguir deixa-los em tal estado.
- Por que ela nos quer vivos? - O desgraçado ainda não havia me explicado.
- Rapina soube que Ethan havia virado a Águia do Vento e quer todo o poder para ela. Não se importa com os outros Protetores, eles pensam que ela está morta, depois da revolta dela e algumas outras aprendizes a base de Hanna ficou em pedaços, Rapina foi dada como morta. E Hanna, nunca mais quis procurá-la ou se vingar, ela não era disso. A parte boa é que nossa querida ave carnivora ofereceu uma boa quantia em ouro e um lugar ao trono da nova civilização que será criada com o renascimento dos monstros pela Lámina da Ressurreição, a civilização das Aves de Rapina. Por isso, muitos de nós querem pegar vocês, mas adivinha quem achou primeiro. - Lambeu a boca suja de sangue. - O Jeff.
Uma flecha por cima de minha cabeça e teria acertado a testa de Jeff, caso ele não tivesse desviado o rosto rapidamente. Ethan havia se esforçado o suficiente para disparar uma flecha.
- Vocês não aprendem, não é? Não conseguirão me tocar, eu controlo a mente de todos, ninguém pode mexer um musculo caso eu não queira e muito menos...
Interrompi seu discursso da melhor maneira possível: eu cuspi fogo em seu corpo. Eu sei, meus poderes não eram esses e eu não sabia como havia acontecido, mas agi por impulso e raiva. Da mesma maneira que Longinus surgiu em minhas mãos pela primeira vez. Eu não podia me mover, então por instinto fiz aquilo. Seus gritos foram tão perturbadores que acho melhor nem descrevê-los, mas seus berros ecoaram por toda a floresta. Seu corpo ainda se debatia no chão enquanto pegava fogo, e seus gritos não cessaram. Eles tiveram um fim quando Nina fincou seu facão na cabeça de Jeff.
- Você mesmo disse que ninguém merecia sofrer antes de morrer. - Disse com uma voz cansada.
Seu corpo tombou para trás mas eu a segurei.
- Como fez isso? - Ela sorriu enquanto se aconchegava em meu corpo.
- Acho que só fui rápido para te segurar.
- Tô falando do fogo.
- Não sei. Eu só tentei achar alguma maneira de acabar com ele sem usar as mãos e... bom, deu nisso.
Fui beijado na bochecha.
- Sobrevivemos mais um dia.
Acariciei seu queixo.
- Acalma-se, curandeira. O dia ainda não acabou. Obrigado por livrar nosso inimigo do sofrimento.
- Aprendi com você. - Ela se aconchegou em meus braços como se fosse dormir.
Nunca havia visto ser humano tão fofo quanto aquela pequena. Mas depois de tudo isso havia esquecido de Liz.
- Espera um pouco, Nina.
Ajudei Ethan a levantar. Ele provavelmente havia sido perturbado pelos poderes de Jeff, algo que eu não sabia e ainda não era hora de perguntar.
- Belo tiro. - Disse eu.
- Belo cuspe. - Devolveu ele.
O mais inacreditável, mais do que eu ter cuspido fogo pela boca, era que Chloe estava chorando. Eu pude entender o quanto seus traumas eram fortes e o quanto o finado Jeff havia se aproveitado disso, mas de qualquer forma, era sim difícil de acreditar. Talvez, Ethan nunca havia vivenciado aquilo, mas não hesitou em abraçá-la e dizer da melhor maneira palavras de conforto. Ela o abraçou com força, e ele beijou sua testa em forma de carinho.
Enfim cheguei em Liz. Ela estava mal, muito mal. Porém, dormindo e completamente suada.
- Nina. O que pode fazer?
- Um chá de ervas roxas para seu corpo relaxar. No estado em que ela está, não acontecerá nada grave, mas não é bom que fique aqui. Vamos levá-la de volta para casa.
- E depois partimos. - Completei.
Carreguei Liz em meus braços e nós seguimos até sua casa. Nina recolheu algumas plantas diversas pelo caminho e Chloe foi se recuperando aos poucos. Não falamos muitas coisas, mas Ethan parecia querer me perguntar algo. Os olhares que ele e Chloe trocavam parecia ser algo importante, e também, preocupante.
Deixamos Liz no sofá enquanto Nina preparava com simplesmente ervas, fogo e água; o remédio para minha amiga. Cobri Liz com um lençol e beijei sua testa.
- Você vai ficar bem. Sabe do que eu tava lembrando? - Ela não iria responder, mas você sabe que é só modo de falar. - Lembrei do dia em que nós brigamos, a gente tava no meio da rua, não me recordo se eu comecei ou foi você que começou, mas em um momento você jogou seu picolé derretido em mim, eu tentei devolver rebolando o meu em você, mas como sempre fui ruim de mira e a senhora ágil como o gato da vizinha, acabou se esquivando. Bom, o picolé acabou indo parar na testa do policial Daryl, nunca me esquecerei do tanto que corremos enquanto ele corria atrás de nós gritando que iria nos pegar e contar para as nossas mães. - Abri um sorriso de canto.
- Então esse é o episódio do picolé? - A voz doce de Nina disse atrás de mim enquanto me abraçava. Uma sequência de beijos na minha nuca me arrepiaram. Senti a vontade constante de beijá-la, mas Ethan entrou com tudo na sala. Chloe estava com ele. Eu e Nina nos soltamos rapidamente e tentamos disfarçar a situação.
- Não atrapalhariamos se não fosse tão sério. - Chloe entonou sua voz com persuasão. - Kevin, o que aconteceu lá, contra Jeff, não é normal.
- E o que tem sido normal nos últimos 4 dias?
- Nada. Mas nunca o Lobo Vermelho usou os Poderes do Dragão Amarelo. - Respondeu ela ríspida. - E nós precisamos achar uma explicação para isso. Talvez, da mesma maneira em que a magia do Tubarão se acabou nas águas dos nossos rios, a magia dos poderes de cada Protetor pode estar confusa.
- Isso nunca aconteceu. - Disse Ethan decidido. - Receio que seja o que estou pensando.
- O que você está pensando? - Nina se preocupou.
Suas mãos delicadas abriram a boca de Liz e esperou para que ela tomasse uma pequena consciência para poder engolir o remédio e não se engasgar com ele.
- Não é nada. Só que isso nunca aconteceu de acordo com os livros que contam as histórias dos Protetores.
- É verdade. O máximo que os livros falam é sobre uma fusão de poderes, mas isso só acontecia com os Protetores primordiais. - Confirmou Chloe.
- Nina. Você tem algum dom do seu pai? - Perguntou Ethan.
Ela fez uma cara de incredulidade pela tal pergunta.
- Apenas os olhos amarelos que me fazem identificar quando alguém está mal.
- Ei, por que nunca me contou isso? - Reclamei.
- Contei sim, você que não prestou atenção.
- Kevin. - Meu nome nunca foi dito por Chloe com tanto cuidado. - Eu sei que isso vai parecer estranho mas... ah, meu Deus, não sei se posso perguntar isso.
- Perguntar o que? - Agora eu que estava preocupado.
- Você não sabe quem é seu pai, certo?
Tentei não acreditar na possibilidade do que eles estavam tentando me dizer. Não, aquilo não podia ser verdade. Mesmo eles estando apenas criando uma hipótese, a raiva que cresceu em mim acabou sendo descontada neles.
- Ah, não. Vocês não estão pensando nessa possibilidade.
- Nós estamos. - Ethan foi bem claro em seu tom de voz.
- Nem o próprio Lobo Vermelho foi capaz de cuspir fogo pela boca.
- O que eles estão querendo dizer com isso? - Nina parecia assustada.
- Um monte de besteiras. - Respondi.
- Sério que você não pensa mesmo na hipótese de...
- Não. - Falei com uma voz tão firme que interrompi Ethan. - Já falei, talvez um erro na hora da transformação ou até mesmo uma coincidência, mas isso não. Meu pai era um homem rico, que abandonou a mim ainda quando bebê e a minha mãe. Foi o que ela sempre me disse, e no que eu sempre acreditei. Era só mais um rico filho da puta, nada mais que isso. É, nada mais que isso. - Fiz um pausa para tomar o fôlego. - E ele não é Wind. Nina não é minha irmã. Eu não tenho olhos amarelos e nem sou filho dessa divindade antiga de centenas de anos. Eu sou um bastardo, e não faço a mínima ideia de onde está meu pai. Essa é a história.
Meu tom estava tão alterado que até mesmo Chloe decidiu não brigar. Ela apenas fez que sim com a cabeça, mesmo eu sabendo que ela não havia tirado a ideia da cabeça, e muito menos Ethan. Nina ficou totalmente sem reação e preferiu não olhar em nossos olhos, deixou sua cabeça baixa.
Ethan sabia que não iria adiantar falar sobre aquilo comigo, eu estava uma pilha de nervos. Nunca quando o assunto era sobre meu pai, a conversa terminava bem. E eu acabei de comprovar isso.
- Em poucos minutos, partimos. - Disse ele. - Sua amiga ficará bem, Nina fez um bom trabalho. Mas temos que ir até Liverpool.
Suas palavras foram tão secas e forçadas por conta do que havia acabado de acontecer. Mas eu não queria acreditar naquilo, e nem iria. Não era verdade. Eliminei qualquer hipótese sobre isso da minha cabeça e segui para o lado de fora, eu precisava tomar um ar. Sozinho.




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