CAPÍTULO 26 - A troca

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  O corpo de Chloe já estava frio. Sally e Sarah a carregaram aos prantos, mas tentei prometer a elas que ficaria tudo bem - o que é muito difícil de acreditar quando se está levando o corpo de um amigo seu.
  Não precisei de ajuda pra carregar Ethan.
  Era fim de tarde, por isso havia pouca movimentação no campo. A maioria do pessoal devia estar descansando ou treinando próximo às suas cabanas. Para alguns ainda era uma tarde normal.
  Chegamos à enfermaria.
  - Sally, vá buscar Wind! - Ordenei enquanto deitava Ethan em uma maca.
  Sarah foi junto a ela. Hank Foster me encarou, como se sentisse vontade de falar alguma coisa.
  - Se quer me falar algo - comecei - , saiba que essa não é a hora. Tente reunir o máximo de curandeiros que encontrar no campo e procure Nina.
   - Certo.
  Segurei a mão fria de Chloe enquanto passava a mão por seus cabelos.
  - Vai ficar tudo bem, Blanche. Você é forte.
  Se esta fosse outra situação, eu teria me assustado com o velho barbudo que saiu detrás das cortinas usando uma túnica verde limão e pulseiras que me lembravam magos.
  - Você é um curandeiro? - Indaguei ríspido.
  - Gerald Vernis, ao seu dispor. Para o que precisa de mim?
  - O que pode fazer por ela? - Indiquei Chloe com a cabeça.
  - Deixe-me ver.
  Ele averiguou seu corte feito no abdomên e sua mão arrancada - o sangue já estava estancando e suas carnes ficando frias. Apoiou-se na própria maca em que ela estava e preparou-se para dar a notícia.
  - Sinto muito, garoto. Mas eu não posso fazer nada. Se você deixar, costuro o resto da pele que sobrou no pulso, para não ficar muito feio e nós preparamos o corpo dela para um velório digno.
  Não importava o quanto a morte dela se tornava mais evidente, eu tentava negar a qualquer custo. Ela não podia estar morta, não de fato. Chloe era forte demais para morrer. Me apoiei em uma coluna para não desabar no chão. Imaginei a dor de Ethan ao acordar e ver sua amada falecida. Isso só aumentava a minha dor, mais e mais.
  Meia dúzia de curandeiros chegaram à sala, junto com eles, minha possível irmã, Nina.
  - O que está acontecendo? - Perguntou um deles tão barbudo quanto o que atendera minha amiga.
  Antes que ele podesse responder Nina disparou em corrida e me agarrou em um abraço.
  - Nunca mais faça aquilo comigo. Você está bem? Conseguiram achar Rapina? - Beijou minha testa. - Eu fiquei tão preocupada. Pensei que estavam...
  Ela se calou ao perceber meu estado.
  - Kevin... o que aconteceu? - Seu tom de voz mudou para um mais fraco, aquele que já espera uma má notícia.
  Apenas olhei para frente, a maca onde estava o corpo de Chloe. Ela entendeu de imediato. E como não?
  - Não, não, não. Não pode ser verdade. Ela está ferida, eu sei que posso curá-la.
  Nina correu até sua amiga e agarrou algumas plantas que jaziam em uma pequena geladeira da enfermaria. Logo então, agarrou uma série de instrumentos médicos como alicates, bisturís e outras peças.
  - Eu vou te salvar, Chloe. Sei que posso consertar sua mão e fechar esse ferimento na sua barriga. Talvez com algumas ervas vermelhas e...
  - Querida - Gerald, o curandeiro, pôs a mão no ombro de Nina. - Não há mais nada que você possa fazer. Vamos dar a ela o enterro que merece, foi mais do que uma lutadora honrada. As coisas... elas são assim, meu bem.
  Todos os outros curandeiros apenas baixaram as cabeças e pareceram concordar com Gerald. Menos eu, ainda não conseguia aceitar.
  - Vocês, realmente, não podem fazer nada? - Alterei meu tom de voz. - Vocês tem magia, são melhores que os médicos normais. Alguma coisa é capaz de ser feita. Eu sei que sim. Ou então, para que vocês servem?
  Apesar do meu clamor em raiva, eles não me responderam nada.
  Descarreguei toda a minha fúria soltando um soco na coluna ao meu lado.
  Então, por mais inacreditável que isso seja, Nina conseguiu pensar em algo eficaz para trazer Chloe de volta.
  Um feitiço antigo.
  - Nina, do que você está falando?
  A ideia dela me amparou.
  - Chama-se Feitiço de Troca. Apenas um sucessor de alguém com o sangue protegido pela natureza pode realizá-lo. Eu vou trocar algo meu, pela vida de Chloe - retirou sua franja de cima dos olhos. - Consigo fazer isso.
  - Algo como...?
  - Talvez um dos sentidos. Ou a memória. Eu não sei - ela estava preocupada, mas sua vontade de salvar Chloe era maior.
  - O que? Você não pode fazer isso!
  - E vamos deixá-la morta? - Nina quase chorou ao terminar a frase.
  - Eu não posso fazer por você? - Insisti.
  - Apenas um sucessor de alguém com o sangue  protegido pela natureza - repetiu. - O filho de um Protetor.
  - Mas... - tentei pensar em algo. - Ethan e Chloe especularam as possibilidades de eu ser filho de Wind. Então, eu posso fazer. Não posso deixar nada acontecer com você.
  Gerald tentou alertá-la.
  - É arriscado demais. O feitiço foi usado apenas uma vez por um filho de Hanna, a Águia, há muitas dezenas de anos. As histórias dizem que ele foi dando todos os sentidos de seu corpo, até que por fim doou sua memória aos espíritos maiores.
  Gerald resolveu se calar, como se estivesse tentando interromper a si mesmo.
  - O que aconteceu depois? - Insisti na pergunta.
  - Ele virou um vegetal. Não falava, não ouvia, não pensava. Muito menos lembrava de algo. Era como se estivésse morto. Até que... Hanna decidiu que preferia ver seu filho morto do que sendo um morto-vivo. Ela mesma ordenou que o matassem. Sua situação era tão crítica que ele nem mesmo se mexeu ao morrer.
   Se esses eram os riscos, eu não poderia deixar Nina realizar o feitiço. Eu faria.
  - Eu faço - afirmei confiante.
  - Você não pode - argumentou ela. - Eu sou filha de Wind.
  - Mas existem as possibilidades de...
  - Possibilidades não são fatos! - Nina gritou.
  Por mais estranho que isso fosse. Ela havia soltado um grito de raiva.
   - Eu sou filha dele - prosseguiu. - Eu vou fazer.
    Nina me abraçou com força.
  - Vai ficar tudo bem. Se não der certo na primeira vez, não tentarei novamente doando os restos dos meus sentidos. Prometo.
  - Mas aí você já estará sem um deles.
  Ela me apertou mais forte. Ignorando o que falei.
  - Quando eu estiver cega, poderá ser minha bengala?
  Aquilo foi tão fofo quanto triste. Eu lhe abracei forte sem me importar.
  - Serei mais do que isso. Eu não vou te deixar. Muito menos agora.
  Minhas lágrimas escorreram por seus cabelos.
  Gerald pediu para que nos afastássemos um pouco.
  - O que foi? - Indaguei.
  - Antes de trazê-la de volta, precisamos costurar a pele que resta em seu pulso. Fechar a abertura. Isso vai durar uns dez minutos pra nós - ele olhou para o restante de curandeiros que estavam apenas observando tudo - , não é mesmo, meus amigos?
  - Sim! - Eles concordaram em um uníssono.

A Sexta Irmandade (Vol.1) - O Lobo Vermelho Onde histórias criam vida. Descubra agora