CAPÍTULO 22 - Um passado não esquecido, parte 2

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  Sou eu, Ethan Hall. Ou melhor, Ethan Jameson Hall. O "Jameson" vem de um homem morto. Sim, eu o matei. Não gosto de tocar muito nesse assunto, na verdade, nunca toquei, nem mesmo com Chloe que sempre me pedia para falar aquilo que eu guardava, de certa forma, ela sabia que eu guardava algo. Meus 6 anos no acampamento foram ao seu lado. Mas será mesmo que ela entenderia? Eu sei que perdeu o irmão, mas a culpa não foi sua, já eu, tive total culpa da morte de meu pai.
 
  Há seis anos, quando eu ainda tinha uma casa, meu pai me ensinou a atirar com um arco, mesmo com a brutalidade e a insensibilidade dele, eu ia aprendendo aos poucos. Toda vida que chegava do trabalho, ia caminhando com calma para o quintal para não me desconcentrar, e claro, me fazia praticar mais. Eu nunca entendi o porquê, mas ele me ensivava todos os dias uma maneira nova de estabilizar minha mira. Ele... ele se importava com o que eu mais gostava, a arqueria. Mesmo sendo com um arco velho e pequeno, propício à minha idade.
  - Mais pra baixo, It- disse ele ríspido. Sim, eu era chamado de It, não sei de onde ele tirou esse apelido, não era nada legal já que It é um palhaço assassino de histórias de terror. Mas nunca disse isso a ele.
  - Se eu abaixar mais, irei errar - resmunguei.
  - Confie em mim. Baixe esse arco e puxe um pouco para esquerda, só assim irá acertar o alvo.
  Fielmente, exercitei o movimento.
  - Sem respirar, Ethan - lembrou-me. - Sua mira só estabiliza quando seu corpo fica totalmente parado, então, não respire.
  Soltei a flecha, acertei o alvo, pelo visto eu não estava apontando certo, mas a ação dos ventos fez minha flecha acertar o alvo.
  - Na mosca! - Olhei para meu pai desconfiado. - Ei, como você sabia disso?
  - Disso o que?
  - Que os ventos fariam minha flecha acertar o alvo.
  - Apenas sei, It.
  Continuei olhando desconfiado.
  - Obrigado, pai.
  Ele não me olhou ou disse que não era por nada, apenas virou as costas e entrou para dentro de casa.
  Nessa época, eu morava em Vancouver, no Canadá. Antes de Wind e Sandra irem me buscar, antes de... antes de eu matá-lo.
  Desde que nossa mãe havia partido e nos deixado, meu pai e eu tivemos que nos virar. Ele nunca faltou com nada para mim, mas ele era do seu jeito. Nossa relação era boa, pra ser sincero, ela era aceitável.
   Brandon Jameson, foi seu nome.
   Ao nascer do sol do outro dia, ele me levara ao hospital, mais precisamente, oftalmologista. Eu tinha um pequeno problema de visão quando criança, sei que parece ironia, mas é a verdade. Antes de eu ser nomeado como Águia Dourada e não ter meus poderes de visão, usava um óculos fundo de garrafa. Chloe e Nina devem lembrar.
  O ônibus estava quase vazio. Era um dia frio em Vancouver, como todos os outros. Conversamos sobre minha mãe no caminho, eu não lembro bem o porquê, desde que ela havia ido embora, meu pai nunca mais tocou em seu nome. As únicas coisas que posso lembrar dela são que seus cabelos eram pretos como o meu e seus olhos tinham a mesma cor - um castanho, quase amarelo, pra ser sincero. Aquela conversa de certa forma, fez meu pai, que era um homem tão insensível, me abraçar. Eu já havia perdido as contas de há quantos anos ele não fazia aquilo. Por um momento, achei que ficaria tudo bem entre a gente.
  A volta do hospital foi mais ou menos assim: Ethan Hall ficou tentando convencer seu pai a não colocar um óculos fundo de garrafa bem no meio da sua fuça. Não adiantou muito, Brandon era um pouco... difícil de se convencer.
  Ao chegarmos ao jardim de nossa casa, vimos a porta aberta, ou melhor, arrombada.
  - It, não saia de perto de mim - meu pai olhou para mim com o olhar de quem não só pedia, mas também mandava.
    Segui seu comando. Ele andava lentamente e com passos fracos, os quais não faziam ecoar nenhum tipo de som. Na entrada, fomos surpreendidos por bandidos armados - um deles empunhava uma pistola e os outros dois usavam bastões de baseball.
  Meu pai me afastou para trás dele. Talvez por instinto de proteção, para tentar ser meu escudo.
  - Parado aí, coroa - o que tinha o bastão em mãos o bateu levemente duas vezes contra a palma de sua mão.
  - A gente ia sair de boa, só levar umas coisinhas aqui da casa e vazar. Mas parece que um velho idiota e uma criança de merda viram o rosto da gente, não é mesmo pessoal? - Ele riu olhando para os outros dois.
  O terceiro, que empunhava seu bastão enrolado em um arame, o bateu com força na mesa, assim quebrando sua vidraça.
  - O que iremos fazer, então?
  - Comece pelo pai.
  Brandon, aquele que ficou comigo quando minha mãe foi embora, não demonstrou medo de morrer, demonstrou medo de me perder. Por isso ele avançou contra os bandidos, mesmo com um deles apontando uma arma a partir do momento em que ele demonstrou um sinal de reação. Conseguiu pular em cima de dois deles, o outro levantou seu bastão para atacá-lo, mas eu consegui agarrá-lo por trás, nada muito útil pois ele me jogou em cima do sofá e teria acertado o bastão em mim se eu não tivesse me jogado para trás e caído no chão. Ouvi o som de tiros, olhei para meu pai e os dois bandidos, ele havia conseguido tomar sua arma e atirado em um deles. O outro arregalou os olhos e não acreditava no que estava acontecendo. Meu pai não hesitou em atirar naquele outro que tentara me matar há poucos segundos. Mas ainda havia um terceiro, esse que estava tão próximo de meu pai que não deu a ele um tempo de reação, e os dois acabaram caindo no quintal agarrados aos bofetes. Até que o homem puxou uma faca, atacou meu pai para furá-lo bem no rosto, mas ele segurou firme o pulso do homem.
  Foi então que vi minha chance: o meu arco, estava ali, naquele quintal, escorado na nossa cerca de madeira. Só haviam duas flechas ao seu lado, eu não poderia errar. Mais alguns segundos e ele venceria meu pai pela força e o furaria. Apontei o arco, eles dois estavam tão próximos, mas eu não podia errar.
  Armei a flecha, como fazia todas as tardes. Mas desta vez, eu errei. Ela acertou um deles, não aquele que eu queria, ela acertou meu pai, bem em seu coração. O bandido parou de lutar ao perceber o que havia acontecido. Meu coração doeu tanto, mas tanto. O choro foi incessante, minhas mãos tremiam e o sentimento de culpa me dominou por inteiro.
  Meu pai sabia que era impossível se salvar. Mas ele não se irritou comigo, não dessa vez. Sua boca derramava sangue. Olhou para mim, nos meus olhos, não demonstrou fraqueza e disse:
  - Se errar o primeiro, então acerte o próximo.
  Eu havia entendido.
  O bandido olhou para mim e veio correndo me atacar, mas eu fui rápido. Levantei o arco em sua direção e disparei. Acertei seu peito, ele caiu ao chão.
  Corri às pressas em direção ao meu pai.
  Não pude conter o choro, eu senti tanta raiva de mim, tanto desprezo. A culpa era todo minha,  toda minha. Eu só precisava acertar uma vez, mas não fui capaz.
   - Desculpa! Eu sinto muito, pai. Eu sinto muito! - Deixei minhas lágrimas cairem em cima dele, que ali estava deitado no chão.
  - Tudo bem - sua voz soou fraca, ele estava de fato morrendo. - Pior que errar, é ficar inerte, It. Então prometa-me, que independente do que acontecer da sua vida, você nunca ficará inerte. Vamos, It. Prometa-me.
  Eu chorava tanto que não conseguia mais falar.
  - Eu prometo.
  - Obrigado, meu filho.
  Pela primeira vez, ele não havia me chamado de It, e sim de meu filho. Pela primeira e última vez.

   O que aconteceu depois, foi como todos os outros. Eu seria mandado aos meus tios que não gostavam nem um pouco de mim, então decidi fugir do conselho tutelar. Me perdi em meio à Vancouver, mas Wind me achou e me levou para o acampamento. A minha vida seguiu em diante, anos de treino, até mesmo o óculos que meu pai não pôde me dar agora eu usava. Mas a dor nunca passou, a dor de ter errado a flecha da sua vida. E desde esse dia, eu me empenhei a nunca mais errar um tiro. Porque a cada vez que eu errava, as lembranças vinham. Mas eu não ficaria inerte, eu agiria. E essa flecha aqui, Rapina, está guardada para a sua cabeça.
    Foi quando toda a lembrança se esvaiu por um momento, e eu percebi que era hora de lutar contra aqueles dois, e não ficar inerte perante eles. Não, eu lutaria, lutaria por uma última vez.

A Sexta Irmandade (Vol.1) - O Lobo Vermelho Onde histórias criam vida. Descubra agora