Capítulo XIII

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Akira Yamaguchi

Andar sem rumo no tempo livre tem se tornado costumeiro para mim. Não há muito o que fazer além de ajudar na colheita da plantação e manutenção das instalações. Essa falta do que fazer me deixa louco.

Cinco dias.

Foram cinco dias desde que chegamos, e ainda estamos nos integrando das atividades locais. A maior parte do tempo é dedicada à treinamento de segurança.

Todos participam dos treinos. Desde os pequenos e seu treino especial, até os mais maduros adultos. Os jovens sempre se destacam e são os instrutores. Apenas nós não participamos. "A sua equipe não precisa saber como a vila se protege; afinal, vocês ainda podem ser uma ameaça.", foi o que ouvimos de Débora quando Vlad perguntou dos treinos.

Vou deixando para trás a plantação enquanto sigo rumo às pequenas casas, na maioria das vezes iguais, da vila. Os tons rústicos da vila cercam o lugar; mas, apesar de tudo, algumas vias são asfaltadas com paralelepípedos.

Dobro algumas vias e chego na casa em que nos alocaram. Ela é grande o suficiente para acomodar todos confortavelmente. Novamente, meninos e meninas ficam em quartos separados.

Vou para nosso quarto todo branco feito para enlouquecer. Mesmo nos manicômios de Aomori, nem tudo no quarto era branco. Eles querem mesmo tornar-nos malucos.

Pego uma calça de tecido leve e uma camiseta de algodão verde no móvel com gavetas e vou tomar meu banho cronometrado. A água para de cair após cinco minutos, você tenha acabado ou não.

A hora do almoço se aproxima e sei que Vladmir e Bernard devem estar voltando dos seus afazeres para se refrescarem antes da refeição.

Depois de limpo, volto para o quarto e abro a mala sobre a cama. Remexo no fundo até encontrar o pequeno retrato.

"Akira, você precisa se lembrar"; papai me disse enquanto me levava o mais longe de casa possível e dava várias voltas nos quarteirões para que eu perdesse a noção de onde estava. 

— Você sempre deve lembrar o caminho de volta para casa.
— Eu me lembro  —  pronuncio alto enquanto guardo a pequena foto.  — Eu sempre me lembro o caminho de volta.

Três batidas na porta me arrancam da lembrança e anunciam a chegada de alguém.

— Oi, pequena. Entre.

— Olá, Biga.  — Ela pega a escova azul que estava sobre o móvel baixo e brinca com ela, lançando de um lado para outro.  — Tudo bem?

— Tudo bem.  — Olho de lado para ela, que tem ficado mais feliz gradativamente.  — Está animada hoje?

Ela dá uma leve risada e vem até mim com a escova para alinhar meus cabelos, deixando vários fios cairem em meus olhos.  

— Talvez...  —  Ela para e analisa minha cabeça, desfaz o trabalho e começa novamente a pentear os fios; dessa vez, deixando-os cair lateralmente em minha cabeça.  — Mas eu queria saber uma coisa.

Eu queria saber muitas coisas, penso. Queria saber porque nós somos assim tão perigosos comparados à armamento bélico de alto nível. Queria saber onde Sophia está. Queria saber por que nossos pais, coincidentemente ou não, morreram.

Bato com a palma da mão na cama. Ela puxa meus cabelos para trás e se senta ao meu lado. 

— O que você quer saber?

— Eu queria saber sobre você e Anippe. — Ela parece mais desconcertada agora, sem jeito de dizer as palavras. — O que está acontecendo de verdade? — ela pergunta, finalmente, corada de vergonha.

— Nem eu sei, pequena. Por que essa pergunta agora?

— Sei que pode não parecer, e o telepata aqui é você, mas Anippe não merece meio termo. Ela é uma mulher como qualquer outra que merece ser amada.

— Mas ela é amada, isso não basta?

— Você precisa ser claro e honesto. Abra o jogo, e, se não for ela, diga logo.

Passo a mão nos cabelos de Aisha que correm soltos até sua cintura.

— Talvez seja ela, mas ainda estou longe de descobrir. Quando é que se tem certeza?

— Não sou a pessoa mais indicada a dizer. Mas tenho certeza que seu coração sabe. — Ela sorri de lado e se levanta, ajeitando suas ondas negras e fazendo uma trança rápida. — E tenho certeza que seu coração irá achar a resposta logo logo.

— Meu coração não tá conseguindo nem bombear o sangue no lugar certo. — Respiro profundamente. — Mas vou acreditar no seu sexto sentido indiano.

Ela lança um beijo tímido em minha direção e sai do quarto, me deixando apenas com meus pensamentos. A voz de Aisha ecoa em minha mente junto com a dúvida sobre o meu futuro.

Levanto da cama e vou até o lado de fora. A garota Débora deveria estar por aqui em algum lugar, então ando até a casa onde ela vive para termos uma conversa. Não aguento mais essa monotonia diária, sem nenhum objetivo aparente. O que me parece é que ela quer apenas nos domesticar.

A casa dela não é muito longe da nossa, mas tem a sorte de ser na extremidade mais próxima das árvore que fecham a floresta, e também tem a diferença de um andar à mais que nosso alojamento.

A porta está aberta, sem necessidade de segurança, e parece não haver ninguém nos corredores. Subo até o segundo andar onde fica o escritório dela, e, no meio dos degraus, ouço uma voz baixa.

Meu coração acelera. Será possível que alguém esteja pensando?

— Talvez eles saibam do antídoto. — A voz é masculina e questionadora. — O que faremos quanto a isso?

— Não iremos perguntar se eles sabem, talvez não saibam. — A voz da garota me deixa triste. A esperança de ter meu poder de volta se esvai. Débora é rude com seus homens. — Agora saia.

Desço as escadas rápido, antes do homem me ver e me escondo em um cômodo da casa. É uma sala de televisão. Há alguns retratos de uma garota, com cabelos médios e castanhos. Ela é linda, e bem parecida com Débora. Pego um retrato nas mãos e admiro a aparência e semelhança de ambas.

—Ser sorrateiro também é sua especialidade? — A garota está na porta com os braços cruzados. — Você conta vantagem de tantas formas, por que não me disse que era furtivo?

—Ei! — levanto os braços. — Vim aqui conversar numa boa.

—Entrar aqui sem eu saber já é um mau começo. 

— Eu bati na porta, mas ela estava aberta. — Coloco o retrato no seu lugar e dou de ombros. — Achei que era um sinal para entrar.

— Se ninguém lhe disse para entrar, você não tinha que achar nada, garoto.

O fato de ela parecer mais nova que eu e me chamar de garoto me deixa desconfortável.

— Eu só vim saber seus planos para nós. Você não nos trouxe aqui por nada, não é mesmo?

Ela anda vagarosa pela sala e dá a volta no ambiente, parando ao meu lado. Há mais móveis aqui do que na nossa casa. O sofá é de tecidos escuros e uma mesa redonda baixa marca o centro da sala. As cores também são presentes aqui. Um marrom rústico correndo pelas paredes, como se tivessem sido pintadas com o próprio barro.

—Vocês saberão tudo em seu devido momento. — Ela aponta um dedo em meu peito, e só então percebo a diferença de altura entre nós. Ela precisa levantar a cabeça para me olhar nos olhos.

— E quando será isso?

— Você é apressado, garoto. — Ela passa a mão nos cabelos e os prende em um coque desajeitado. — O sinal da refeição irá soar. Saia da minha casa.

Faço uma mesura e dou as costas a ela. Sem nenhuma pressa, vou até o grande refeitório onde todos fazem as refeições juntos. Apesar de termos o privilégio de uma casa privativa, ou uma prisão domiciliar, nos esforçamos ao máximo para socializar por aqui. Afinal, temos que conquistar a confiança dos residentes.

A vila funciona dessa forma: os homem plantam e colhem e as mulheres preparam todos os alimentos. É um ciclo em que todos se ajudam. As moças e rapazes mais jovens, entre treze e quinze anos, orientam os pequenos em tudo o que precisam saber da vida.

A maioria das coisas aqui é feita em conjunto.

Dou uma olhada nas mesas e vejo Anippe, que já está sentada em num ponto bem visível do refeitório. Pego um prato e me sirvo de uma porção de massa e umas folhas verde escuras.

Volto para a mesa e me sento ao lado de Anippe. 

— Essa comida grátis não é tão ruim, não é mesmo?

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