Capítulo XXIV

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Bernard Sliver

Sentado num dos bancos de pedra na área externa da base abandonada, finalizo mais uma das séries de exercícios para os músculos das pernas, objetivando que eu me livre o mais rápido possível da maldita cadeira de rodas. Respiro fundo e ergo os olhos, observando a copa de uma árvore não tão alta, filtrando a luz do sol que brilha a pino no início da tarde.

A cidade onde cresci tinha muitas delas. As árvores. Um bairro nobre, repleto de casas pintadas em azul, verde, amarelo, rosa. Quintais arborizados, alguns com esculturas de pedra, nas quais eu nunca vi graça nenhuma. Em frente à minha casa, que erguia-se em dois amplos pavimentos, era a casa do meu amigo Matt. Parece que não o vejo há anos.

Relativamente próximo de onde eu morava, ficava a praia. Adorava ir para lá para espairecer dos estúpidos problemas que eu achava que eu tinha, só sentir a maresia e o toque da areia nos pés (já que entrar no mar é proibido, visto que o governo alega que o oceano ainda está cheio de resquícios da guerra e as águas não são seguras). Num momento de rebeldia e coragem, me escondi do guarda e acabei entrando no mar, só pra sentir como era. Cara, que sensação fantástica. Um mergulho pode lavar a alma.

Depois, mais árvores. Arrastado para a sede da Austrália da OCRV, recrutado para uma missão que eu nem queria. A aparência das árvores que enfeitavam a base australiana era soturna, quase tristonha, como se soubessem que não deveriam estar ali.

Mais árvores na floresta onde cumprimos nossa primeira missão. Elas rodeavam a mim e a Malika quando fui atingido na cabeça, para depois ser arrastado para um porão. Também estavam ao meu redor quando eu estava enfiado numa caverna tentando fazer o detonado rádio funcionar, para pedir socorro.

Começo uma nova série de exercícios, e apoio as mãos no banco. As árvores também estavam por perto quando saímos da OCRV. Elas testemunharam a aeronave explodindo no meio da mata. Também observaram todos os momentos que vivemos na aldeia, para depois serem destruídas até o solo com a destruição causada pela OCRV na aldeia rebelde. E estão aqui também.

E agora, despeço-me dessas, na expectativa da ida para outro lugar.

Separados.

É tão estranho.

Estivemos separados durante toda a vida. Embora nascidos no mesmo lugar, fomos levados a outros lugares, crescemos separados, vivemos separados. Mas desde que a OCRV nos juntou, nunca mais deixamos de ser uma unidade.

E agora, estaremos separados de novo.

No fundo, não acredito que isso possa dar certo. Em todas as histórias, quando o grupo se separa, é quando as coisas ruins acontecem. A primeira a se desgarrar do grupo foi Sophia, e olha só o que aconteceu com ela. A perspectiva de embarcar numa missão atrás da mãe dela é empolgante porque tem a perspectiva de ser algo grande e importante em prol dos nossos objetivos de mudar o mundo - algo que não fizemos ainda, meses depois de ter abandonado a base da OCRV. Mas não faço ideia de como será a sensação de encarar a mãe da pessoa da qual eu sou responsável pela morte.

Não confio na missão em que o Daniel levará os outros. Infiltrar-se na base é uma missão quase suicida. Os recursos de segurança que eles possuem lá devem ser ainda mais avançados do que os outros que já conhecemos, visto que lá é a central de produção e distribuição de medicamentos. Com certeza é alvo dos "rebeldes". A possibilidade de não dar certo é muito grande...

Abaixo a cabeça e ponho as mãos na nuca, encarando o chão. Além disso, dando tudo errado, eu não verei mais a Malika, ou o Vladimir. Isso, se eu mesmo não for o que ninguém verá mais...

Claro, isso seria o mais plausível, afinal, eu sou o peso morto da equipe. Como se não fosse suficiente o fato de eu não conseguir dar mais que alguns passos sem que minhas pernas fraquejem, ainda não consigo nem pensar em usar meus poderes novamente. Tenho medo demais. A culpa ainda me esmaga. Certamente serei muito mais um fardo do que uma ajuda nessa missão.

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