Capítulo XIX

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Anippe Mahlab

— Ashley disse que nós vamos para uma base abandonada em algum lugar na América do Sul — Akira murmurou pra mim, ainda dentro da aeronave, olhando ao redor. — Já tô exausto disso.

— Eles abandonaram uma base? — questionei. Lembro-me de nesse momento estar vendo tudo duplicado. — Por quê?

— Não sei ao certo. Pelo que ela falou, é perto de uma cordilheira, de um lugar chamado Andes, e a fundação do prédio estava comprometida demais. Aí eles se mandaram de lá. 

Tiro outra flecha da aljava, enquanto me recordo. Não tenho muitas outras lembranças nítidas do que se passou ontem. O desgaste de fazer um avião daquele tamanho ficar invisível foi absurdo, eu sentia como se minhas entranhas estivessem fervendo, minha pele a ponto de pegar fogo e minha cabeça estivesse prestes a explodir. 

Mas de uma coisa eu consigo lembrar muito bem. 

Uma palavra ressoa na minha mente quando ponho a flecha no arco. 

"Morta".

Expiro e solto a corda. 

A flecha lançada atravessa a camiseta azul escura, sendo parada na parede de madeira. 

"Morta". 

Sinto meus dedos extremamente sensíveis, vermelhos, de tanto puxar a corda do arco. Ignoro o incômodo e lanço outra flecha na camisa, no centro da primeira letra da insígnia da OCRV. 

"Morta". 

Mais duas flechas, e a insígnia da organização já se encontra totalmente disforme. Pego a última flecha da aljava, assopro o cabelo da frente dos olhos e arranco fora um pedaço da camiseta. 

Ela está morta. 

Choco os pés com força no chão enquanto vou recolher novamente minhas flechas. O confronto na sede me deixou quase sem munição, só me restaram 14 projéteis. E estou estragando a ponta de todas as poucas flechas que tenho, só para destruir completamente essa camisa da OCRV que encontrei na base abandonada onde estamos. Não que isso aplaque minha raiva. Nada seria forte o suficiente para isso. Mas eu já cansei de chorar a morte da Sophia. O que me resta é detonar completamente essa camisa, imaginando que estou acabando com a vida do miserável que arrancou a Sophia de nós.

Termino de recolher as flechas no chão, e volto para onde eu estava. Uma cordilheira altíssima se estende à nossa frente, e o frio é quase insuportável. Quando miro novamente, vejo que já não há mais em que atirar, porque a roupa já se foi há muito tempo. Respiro fundo, atirando a cabeça para trás. Não vou chorar de novo. Já chega. 

Fixo os olhos no céu sem nuvens e sem lua, mas atulhado de estrelas. Que horas devem ser? Talvez três da manhã, três e meia. Não dormi. Não conseguiria. 

Olho para a única luz acesa no interior do prédio, escapando por uma janela aberta. Vejo os cabelos loiríssimos de Bernard espalhados sobre a maca, que dorme profundamente na enfermaria e não dá sinais de acordar. Daniel encontrou uma espécie de aparelho velho que monitora frequência cardíaca e respiratória, e mais um monte de coisa, e o fez funcionar, conectando Bernie nele. Disse que os sinais vitais dele estão normais, e o aparelho nos alarmará a qualquer alteração. Aisha está sentada da maca ao seu lado, murmurando alguma coisa. Como se ele pudesse escutá-la.

Balanço a cabeça e arranco a aljava das costas, entrando no prédio novamente. Subo os degraus correndo, até chegar ao "nosso quarto": um cômodo amplo e pintado de azul, com uma única cama empoeirada encostada na parede. As condições estruturais dos três quartos deste andar não são tão ruins, então foi onde todos se enrolaram para dormir, espalhados pelas camas e pelo chão mesmo. 

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