2 - DESPERTAR

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Atravessei o telhado da minha casa e acordei sufocado quando meu corpo atingiu minha cama feito um míssil. Um grito entalou na minha garganta e meus olhos se arregalaram de pavor. Que pesadelo horrível! Sentei-me no colchão e puxei o ar com toda a força, como se não respirasse há cinco minutos. Olhei para todos os lados e, desta vez, eu estava no meu quarto, acordado. Sim, eu estava acordado, agora eu tinha certeza absoluta—não só acordado, mas eu estava... vivo. Eu estava vivo.

Eu não consegui me matar.

Meu sono desapareceu por completo; eu estava aceso como uma tocha. Eu podia ver a luz de fora entrando pela janela fechada, sentir meu hálito pútrido de quem acabou de acordar, sentir a dor de fome e a náusea no meu estômago, meu coração pulsando contra o tórax, o suor escorrendo pela testa, a bexiga cheia, bem como a pior dor de cabeça que um dia senti. Tudo calmo, silencioso, estático, como se eu tivesse apenas fechado meus olhos e aberto minutos depois.

Antes de tomar alguma atitude, entretanto, ouvi batidas fortes na porta seguidas de chamados pelo meu nome. Sem pensar muito bem, respondi com um "oi".

— Eugênio! Abre essa porta, pelo amor de Deus!

Saí da cama sem muitas forças e minha cabeça rodou. Fui à porta e a abri para ver minha mãe me olhar com a cara mais estarrecida.

— Meu filho! O que foi que aconteceu?! Você tá doente?! Passou o domingo inteiro dentro desse quarto e não saiu daí até agora! Eu e seu pai cansamos de bater aqui, de te ligar, de te chamar e você nada! Já tava pensando que você tinha morrido, que Deus me livre! Quer matar a gente de susto?!

O domingo inteiro.

— Desculpa... Eu não tava me sentindo muito bem, tomei um remédio pra gripe e dormi demais...

— O que você tomou, meu Deus?! Por que não falou nada pra gente? Você ficou dormindo esse tempo todo? Eu vou te levar pro hospital pra ver sua pressão, você não pode tomar remédio assim! Isso faz mal! Você passou um dia inteiro sem comer, sem beber nada! Tá caçando jeito de ficar doente de verdade?!

— Relaxa, mãe, eu já tô melhor... Não foi nada.

— Tsc... Vai tomar um banho e vem comer; a janta já tá pronta. Ô, menino inconsequente!

— Tô indo...

Sílvia se foi e eu fechei a porta. O domingo inteiro no quarto; janta pronta. Eu não morri; eu dormi um dia todo?—Que horas eram?...—O que eu fiz de errado? Eu não devia ter acordado! Não tomei a dose certa de comprimidos? Por que falhei?! Idiota! Incompetente! Nem para tirar minha própria vida eu fui bom o bastante...

Caminhei pelo quarto e abri a janela. Era noite; os postes da rua estavam todos acesos e a claridade me machucou os olhos de uma maneira estranha. Sobre a minha escrivaninha, um recado.

Pai, mãe:

Deixo este bilhete como despedida e esclarecimento. A culpa não foi de vocês; vocês não erraram na minha criação, não fizeram nada que quaisquer bons pais não teriam feito. Também não tive culpa, acreditem, não foi escolha minha.

Não tenho mais motivos nem vontade para continuar, por isso fiz o que achei melhor. Me perdoem.

Eugênio

Li e reli o que eu mesmo escrevera e não consegui sentir nada. Não senti arrependimento, não senti orgulho, não senti pena dos meus pais nem de mim mesmo. Peguei o pedaço de papel nas mãos, rasguei quatro vezes ao meio, amassei e joguei na lixeira. Por quê? Por que eu não consegui?!

Prazer e Remissão (romance gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora