7 - PRONTERA (parte 2)

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Saltei da cama no susto e fui direto lá para fora. Fui mais rápido que a natureza; consegui recolher tudo antes de molhar (muito). Tranquei a porta do fundo, da frente, ativei o alarme, joguei a roupa no sofá, tomei um gole de refrigerante, respirei fundo. Como é ruim acordar com susto!... Enxaguei o rosto e voltei para o quarto. O filme já tinha acabado, mas a TV continuava ligada. Pensei ter dormido por horas, mas nem duas haviam se passado; ainda não eram duas da manhã. Léo não se abalou com a minha movimentação e continuou dormindo, comportado, com uma mão debaixo da cabeça e outra entre as pernas.

Desliguei a televisão e fechei a janela o suficiente para não deixar o quarto completamente escuro. Voltei a me deitar e puxei o edredom para cima de nós, inconsciente, naquele instante, do que o que estava acontecendo realmente significava. Léo estava ao meu lado, dormindo na minha cama, junto comigo. Na hora pareceu bobo, mas acho que é inegável dizer que existe certo (muito!) simbolismo em dividir a cama com outra pessoa. E foi o que fizemos, sem querer. Eu estava mesmo disposto a deixá-lo no meu quarto e dormir no quarto da minha mãe quando disse que faria isso, mas vê-lo adormecido ali foi o suficiente para me fazer mudar de ideia, ainda mais porque ele não estava acordado para aceitar ou recusar dividir o colchão comigo; a decisão era só minha.

Há algo de especial em compartilhar a cama com alguém que se quer bem; deve haver. Irrompendo o silêncio da madrugada, a chuva caía, tímida, mas constante. Léo não se movimentava muito, tampouco fazia barulho ou roncava. Eu, que acabara de voltar de uma leve descarga de adrenalina, ainda levei um tempo para relaxar e conseguir me concentrar no meu sono outra vez. O rosto dele estava voltado para o meu. Estava escuro, eu não conseguia ver com nitidez, mas queria. Então fui mexer no celular para, com a luz que vinha da tela, conseguir olhá-lo um pouco melhor. Era tão bonito, tão sereno! Senti uma vontade tão grande de acariciar o rosto dele que acabei não resistindo. Com o dorso da mão, deslizei meus dedos sutilmente por sua bochecha; ele permaneceu imóvel. Percorri com o dedão o caminho da sobrancelha, senti os fios de cabelo preencherem os espaços entre os meus dedos, toquei sua orelha quente e então, pela alteração do ritmo constante de sua respiração, percebi que ele acordou.

Afastei minha mão no mesmo segundo, como se tivesse levado um choque, temendo que ele ficasse bravo pela minha atitude. Ele riu preguiçoso, sem fazer som, e, ainda sem fazer som, virou-se de costas para mim e me puxou pelo braço para que eu o abraçasse e ficássemos de conchinha.

Não era exatamente a reação que eu esperava, mas era uma reação compreensível. Estávamos na mesma cama, no silêncio do meu quarto, ao som gostoso da chuva caindo, quentinhos e protegidos... Há certos momentos em que a barreira de tensão que existe naturalmente entre dois homens, sejam eles heterossexuais ou não—especialmente sendo um deles gay e o outro... o outro o quê? Eu não sabia o que Léo era; ainda não havíamos entrado nessa questão. Ele sabia que eu era gay e deu a entender que não era, mas não houve nenhum tipo de confirmação... Bem, isso pouco importava na hora; o que importava era que a ternura era uma consequência quase lógica, racional das nossas ações um para com o outro. Desde quando bati os olhos nele na festa do dia anterior, depois quando ele veio conversar comigo e passamos a noite toda falando sobre tantas coisas, depois quando jogamos Ragnarök... Era amor à segunda vista; um amor diferente, um amor de amigo novo, uma espécie da mais benigna possível obsessão. Como ele era amável! inteligente! macio!

Apoiei minha cabeça nas costas dele e respirei fundo, sentindo o cheirinho bom do amaciante da camiseta. Sorri de paz. Meus pensamentos estavam todos no mais divinal nível de cordialidade, mas um movimento involuntário de Léo foi o suficiente para desviar o caminho divinal que eles estavam percorrendo alegremente. Ajeitando-se na cama, buscando um pouco mais de espaço (não sei por que estávamos longe do meio do colchão), a bunda dele roçou no meu pau sem querer, e também sem querer este deu uma fisgada instantânea.

Prazer e Remissão (romance gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora