13 - AMOR

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"Você receberá amor; você receberá cuidado. Você receberá amor, você tem que confiar—talvez não das fontes onde você despejou o seu; talvez não das direções que você está fitando. Olhe ao seu redor: está por toda parte. Tudo está cheio de amor, por toda sua volta; você só não está recebendo: seu telefone está fora do gancho; suas portas estão fechadas... Tudo está cheio de amor." Björk cantava essas palavras no meu ouvido depois do almoço, quando voltei ao quarto para estudar um pouco. Minha concentração era superficial, eu não estava com ânimo para estudar, na verdade. Eu estava tão triste, tão para baixo... Só queria ficar na minha, ouvindo minhas músicas tristes, pensando na vida, melancólico, curtindo minha dor até ela passar. Mas ela não passava. E meu celular não tocava nem apitava, e a centelha da esperança de um contato se dissipava tão logo nascia. Como era difícil esse negócio de dar tempo ao tempo, de deixar acontecer, de curar!...

Era para ser mais um domingo como foram os últimos dias, inundado de tédio e de exercício mental improdutivo. Ainda fazia um calor chato e estávamos, Cláudio, Francisco e eu, protagonizando uma cena de domingo a mais tradicional possível: todos empoleirados nos sofás da sala assistindo a qualquer programa de auditório na TV aberta; eu deitado num sofá, Francisco largado no outro e Cláudio mexendo no celular o tempo inteiro, como costumava fazer. Mas assim estávamos porque assim queríamos; a TV a cabo e a Netflix nos davam opções que naquele momento recusávamos. Essa cena, que representávamos não pela primeira vez, me dava a sussurrada e incessante sensação de que, cada dia mais, Cláudio e Francisco se tornavam minha família, uma que eu não teria escolhido nem se tivesse tido escolha, mas que, naquela altura da vida, dado o desenrolar tão inesperado dos fatos, eram as melhores pessoas que eu poderia ter. E eu não podia dizer que estava necessariamente triste por isso. Estava, sim, chateado com as coisas recentes, mas minha chateação era fruto da frustração por os meus desejos românticos não se concretizarem. Meu pai, por exemplo, não me responderia com uma mensagem emocionada e cheia de saudade; minha mãe não me ligaria aos prantos implorando por perdão e que eu voltasse para casa, dizendo que me entende, me aceita e me abraça como eu sou. Isso era frustrante.

Mas, por ora, eu aprendera a aceitar esses fatos com obediência. Resignar-me à realidade era o único paliativo que eu conhecia e que funcionava. A casa em que eu estava era meu lar e meu antigo lar não seria tão cedo minha casa outra vez. Dito isso, era de certa forma confortante saber que eu estava, agora, em um lugar salvaguardado dos julgamentos e condenações a que me submetiam meus próprios pais.

Nesse mesmo domingo, por volta das três e meia ou quatro da tarde, ainda estávamos inebriados na sonolência e na vagareza do dia interminável quando Cláudio, depois de muitos minutos de um silêncio típico, enunciou com clareza:

— O Léo tá vindo aí.

Por um motivo—ou, melhor, pela falta de um motivo—, meu coração saltou dentro do peito como se um desfibrilador me trouxesse de volta à vida. Ninguém reagiu. Francisco permaneceu mudo, tendo talvez soltado um fungar que denotasse ciência do recado, Cláudio permaneceu indiferente e eu também não manifestei o torvelinho de alegria súbita e empolgação que agitou minha carcaça frígida. Ao mesmo tempo, contudo, quando o eco do enunciado ressoou na minha cabeça, eu me perguntei: por que ele avisou que Léo estava vindo? E logo me ocorreu que talvez Léo tivesse contado, ou Cláudio soubesse por conta própria, que existiu algo entre nós durante uma noite, e que existia—e como existia!—a chance de que repetíssemos a dose outras vezes.

Senti uma vergonha que não precisava ser sentida. Se ele me avisou que Léo estava vindo, decerto era para que eu ficasse feliz, não para me censurar e sugerir que eu deveria me comportar; mas eu nunca saberia.

Prazer e Remissão (romance gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora