Léo chegou, mas nossos planos não se realizaram. O tempo que passei pensando em tudo na praça não foi o suficiente para me trazer de volta ao meu eixo gravitacional. O abraço que ele me deu não foi o suficiente para que aquele sentimento apertado deixasse de me sufocar de culpa, remorso, compaixão e mais o que quer que eu estivesse sentindo sem saber nomear. Da praça, fomos para uma lanchonete conversar em paz, que era o lugar mais próximo e menos movimentado. Eu tinha acabado de comer, não pedi nada, só observei Léo tomar seu suco enquanto falávamos em voz baixa, tom grave, preocupado.
— Então você vai morar com ele? — ele perguntou com insegurança na voz.
— Eu ainda tô pensando... Mas ver ele do jeito que eu vi hoje mexeu muito comigo; aceitei o pedido na hora sem pensar direito porque me bateu um desespero. Eu nunca vi meu pai chorar, ainda mais daquele jeito...
— Ele não falou nada sobre a sua mãe?
— Não; só disse que acha que ela não vai me procurar tão cedo.
— Entendi... Que foda, amor... — ele colocou uma mão sobre a minha. — Eu acho que você devia ir morar com ele mesmo. Vai ser bom pra vocês dois: você sai da casa do Cláudio, que é algo que já estava nos seus planos, faz companhia pro seu pai e ainda se acerta com ele. Só tem a ganhar.
— E nós dois?
— O que é que tem?
— Lá no Cláudio a gente pode namorar em paz, né? Em outro lugar...
— Lá em casa é tranquilo, ué. Eu vou ter que te apresentar pros meus pais em breve, eles não se importam de eu levar pessoas pra lá. Aliás, seu pai devia ter te explicado aquela história dos pornôs no computador.
— Ele disse que vai explicar, mas não hoje.
— Será que o seu pai é gay, Eugênio? — a pergunta saiu em tom de profunda indagação.
— Eu não sei.
Eu não sabia e não queria pensar, pois a mera ideia dessa possibilidade me causava um embrulho no estômago, não só por tudo que ele me fez sofrer em vão, mas porque ele ser gay era criar uma ilusão consciente no meu imaginário. Álvaro ser gay era uma barreira que se removia de entre nós, uma que dizia para os meus demônios que talvez, talvez eu tivesse uma chance de tê-lo como homem; que talvez ele se sentisse minimamente atraído por mim e se esquecesse de que eu era seu filho. Álvaro era a última e mais distante e perigosa fronteira que me faltava atravessar, e eu sabia que nunca a alcançaria. Tudo que eu menos precisava era de um incentivo para crer que eu conseguiria.
— Vocês deviam era procurar uma terapia familiar, isso sim — Léo continuou. — Você, seu pai e sua mãe.
— Minha mãe é doente de religião; ela é imune a essas coisas.
— Que fosse só com seu pai, então. Ele deve estar precisando. E eu não duvido nada—aliás, eu aposto que ele vai te contar que se separou da sua mãe porque se assumiu gay.
E novamente um frio na barriga me subia pelo esôfago e saía da garganta em forma de longo suspiro. Pensar que meu pai poderia ser gay me fazia querer sorrir um sorriso que eu não devia sorrir; um sorriso de possibilidade, de malícia inocente, de menino novo descobrindo caixas escondidas no armário.
— Quero nem pensar nisso, amor ...
Nosso sábado terminou na casa de Cláudio, contrariando as expectativas. Passamos a noitinha conversando, vendo séries, jogando, comendo. Ele saiu com Carol e Francisco foi dormir, o que acabou nos deixando liberada a cama dele, que foi parcialmente aproveitada. Mais fizemos amor do que transamos naquela noite. Não estávamos no clima para extravasar nossa energia sexual como geralmente fazíamos, não depois de um dia tão esdrúxulo. Fazer sexo com meu namorado tendo no fundo da mente a ideia de que em breve eu poderia, quem sabe, fazer sexo com meu pai não era o melhor estado de mente para uma ocasião tão íntima. E Léo era muito compreensivo. Mais que isso: ele me sentia. Ele sentia que eu não estava cem por cento ali, com ele naquele momento, e não fez nada além de ser um cavalheiro e me esperar gozar para encerrar o assunto—antes de ele próprio gozar—e me oferecer sua companhia silenciosa, gentil, até cairmos adormecidos para nos anestesiarmos daquele dia tão longo.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Prazer e Remissão (romance gay)
Romance::: LIVRO COMPLETO! ::: NÃO RECOMENDÁVEL A MENORES DE 18 ANOS. Quando ingere uma superdose de sedativos para dar cabo da própria vida, Eugênio só quer se livrar daquele poço sem fundo de desgosto, tristeza e solidão. Ao acordar deitado no chão de...