19 - ADEUS [penúltimo!]

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Dias menos conturbados seguiram. Eu ainda estava me adaptando à minha nova rotina. Mal acabara de me acostumar a viver em uma casa sem mãe, estava me afeiçoando rápido a fazer parte da vida de Cláudio e Francisco, agora outra rasura brusca na linha do tempo da minha vida me colocava sob o mesmo teto que meu pai e ninguém mais. Isso por si só me seria pesado o suficiente, some-se, pois, o fato de que agora eu sabia que ele estava envolvido até o pescoço em um relacionamento homossexual mal resolvido com alguém que tinha pouca idade mais que eu. Minha cabeça se perdia em ideias muito mal processadas e mal organizadas.

Álvaro estava feliz, eu sentia; e não só feliz por ter me falado a verdade, por ter recebido seu merecido perdão, por ter tirado um peso das costas, por ter sido honesto consigo mesmo, por ter se separado da minha mãe, por ter uma vida mais transparente: ele estava feliz por eu estar com ele. Eu chegava do trabalho e era recebido com entusiasmo. O carro quase sempre estava comigo. Sobre a mesa da cozinha, sempre tinha café passado e pão fresco me esperando para acompanhar os minutos mais longos da nossa conversa diária. No meu celular, sempre havia uma mensagem perguntando se eu queria alguma coisa da rua, do supermercado, se eu estava precisando de algum remédio, se eu queria que ele trouxesse alguma comida diferente. Minha cama sempre estava trocada, minha roupa sempre estava lavada e passada, meu quarto sempre estava organizado, vez ou outra eu ganhava um abraço ou um beijo gratuito... Traduzindo esses gestos de modo um pouco mais factual: Álvaro e eu nos casamos, com a única diferença de que, feliz ou infelizmente, nós não íamos para a cama—muito embora assistíssemos TV deitados na cama dele de quando em quando, ou na sala, onde o fazíamos deitados um sobre o colo do outro.

Nessas ocasiões, aliás, era quando aconteciam nossas conversas mais significativas. Conversamos muito desde que me mudei para a nova casa. Depois que nos acertamos, deixamos para trás o passado ruim e viramos a página, eu e meu pai nos tornamos ainda mais próximos do que sempre fôramos. Conversávamos sobre muitas coisas, tanto as mais bobas quanto as mais pessoais. No primeiro sábado depois da nossa conversa definitiva, por exemplo, levei Léo para conhecê-lo.

Não foi uma ocasião tão confortável, todavia; primeiro, porque a cena estava incompleta: faltava Sílvia; eu estava apresentando um namorado para apenas um dos genitores, o que já era desagradável por si só; segundo, porque só nesse encontro eu consegui visualizar com mais clareza o que Álvaro queria dizer quando afirmava que estava confuso, que precisava se resolver, ou que as coisas eram mais fáceis para mim, que a criação dele era diferente. O desconcerto disfarçado em seus olhos não era só por ele saber que Léo sabia das verdades todas e isso ser motivo de vergonha: era também por sermos todos homens, todos (mais ou menos) gays; por Léo ser meu namorado: um homem sendo namorado de outro homem; eu lia nas rugas de expressão de Álvaro a perturbação do colocar-se no meu lugar, imaginar-se sendo namorado de Elias. Aquela era uma ideia à qual ele ainda haveria de se acostumar, um preconceito do qual teria de se desfazer, aos poucos ou de uma vez. Porque sim, ele ainda estava apaixonado por esse rapaz, que, até aquele momento, eu só vira por imagens—e achara surpreendentemente semelhante a mim, embora Álvaro tenha negado: magro, claro, óculos, mediano, professor de Física... Eu não necessariamente disse que queria conhecê-lo, mas meu pai disse que nós nos daríamos bem, que tínhamos posicionamentos críticos parecidos em relação às coisas da vida. Eu não sabia se queria conhecê-lo, pois não estava tão certo de quais sentimentos me surgiriam ao ver o homem que despertava em meu pai os desejos que eu queria despertar.

Léo, um poço de compaixão e bondade, sentiu-se mal pelo estado e pela situação de Álvaro; disse que era louvável o esforço que ele fazia para tentar me recompensar e se redimir pelos erros que cometera. Já não havia mais o que redimir ou recompensar: eu estava na mais completa paz com meu pai; não guardava uma gota de mágoa ou ressentimento no coração. O que eu mais queria era um pedido de desculpas e fazer as pazes, e as duas coisas eu conseguira da maneira mais sincera possível.

Prazer e Remissão (romance gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora