9 - CLEMÊNCIA (parte 1)

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Às vezes eu parava por um segundo e meu cérebro me repetia a mesma pergunta: o que está acontecendo? É certo que minha vida vinha sofrendo mudanças, uma atrás da outra, uma mais inesperada que a outra, mas daí a eu ter um encontro com Viriato!... Era um pouco demais. Mas era real.

Na sexta-feira, depois da aula, saí com os meninos para ir a um bar perto da faculdade. Só fui porque soube que Léo estaria lá e eu estava com saudade dele. A presença de Cláudio logo ao lado limitava nosso diálogo, mas vê-lo, estar perto dele já foi bom o suficiente. Cláudio e eu não tínhamos uma inimizade, mas também não tínhamos assunto, não conversávamos; vínhamos sendo gentis um com o outro quando nos víamos e precisávamos nos comunicar desde que eu admiti ser gay no Verdade ou Desafio, mas só. Tendo eu e Léo um passado sexual recente que, acreditava eu, devia ser mantido em sigilo, não era muito possível nós três participarmos de um assunto em comum ao mesmo tempo: nós dividíamos Léo conforme os turnos de fala da mesa se alternavam.

Eu podia sentir um olhar de ciúmes em Cláudio, porém, quando ele percebia que minha conversa com Léo estava permeada por muitas risadas. Eu não sabia quais eram os termos da amizade deles (será que eles já experimentaram? Será que Cláudio sabia que Léo transava com uns caras de vez em quando?, por isso o ciúme?), mas fantasiá-los juntos—comigo ou sem—, foi algo que fiz algumas vezes, inevitavelmente, por culpa da minha imaginação sensual.

Mas isso nunca passou da seara da fantasia. Nossa noite no bar foi apenas e tão somente isso: uma noite no bar, com os amigos, bebendo e falando alto. Eu, sempre cansado do trabalho, fui o primeiro a ir embora dormir e tentar não enlouquecer com o fato de que, no dia seguinte, eu teria um encontro com Viriato.

Viriato, aliás, só me mandou a mensagem na manhã do dia seguinte. Devo admitir que assim que ele disse "Eu te mando mensagem no WhatsApp", no escritório, eu fiquei esperando pela mensagem. Este era outro fenômeno que se tornara real e recorrente na minha vida: desde o dia em que ele me chamou para conversar e, depois, me beijou, bastava que eu estivesse acordado para estar pensando nele. Ao sair da cama, durante o banho, no escritório, na aula, nos meus sonhos, nas minhas masturbações esporádicas... Viriato estava em toda parte, de maneiras diferentes em nuances diferentes. Ora eu queria simplesmente sentar e conversar com ele, descobri-lo; ora meu eu insatisfeito e rebelde queria falar mais um tanto de coisas que ficaram não-ditas ao longo dos dias; ora eu só queria aquele corpo, aquele cheiro, aquele homem inteiro em cima, perto, dentro de mim; ora eu só queria beijá-lo; ora eu só queria dividir o mesmo espaço que ele, olhá-lo nos olhos e contemplar sua presença. E, em virtude do funcionamento rotineiro da vida, eu não tinha a sorte de tê-lo em nenhuma dessas circunstâncias. Por esses motivos, um encontro com ele significava muito mais do que um encontro com outra pessoa, era um evento muito maior.

A mensagem, que chegou pela manhã, dizia "Ei". O número era desconhecido, mas o reconheci pela foto, apesar dos óculos escuros do avatar.

[09:58, 16/11/2013] Eugênio: E aí

[10:03, 16/11/2013] Viriato: Tudo bem?

[10:05, 16/11/2013] Eugênio: Sim, e você?

[10:07, 16/11/2013] Viriato: Também.

[10:07, 16/11/2013] Viriato: Está de pé o negócio pra hoje?

[10:08, 16/11/2013] Eugênio: Tá sim

[10:09, 16/11/2013] Viriato: O que você quer fazer?

Uma pergunta para muitas respostas.

[10:12, 16/11/2013] Eugênio: Não sei, você tem alguma coisa em mente?

[10:13, 16/11/2013] Viriato: Está passando um filme que eu quero ver no cinema, a gente pode assistir e depois conversar aqui em casa?

Demorei algum tempo para responder. Li, reli, reli de novo e fiquei tentando buscar um subentendido que talvez não existisse. Então eu acabaria o dia na casa dele? Isso significava que ele estava me chamando para dormir com ele—em termos mais ou menos literais?...—ou a casa dele seria só um ponto de passagem? Por outro lado, por que ele enfatizou a parte de que tínhamos de conversar? Ele poderia ter ignorado, fingido que se esqueceu... Ele estava me chamando para dentro da casa dele... para conversar.

Prazer e Remissão (romance gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora