3 - RENASCER

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Minha primeira providência foi tomada na segunda-feira seguinte. Eu já havia retornado às minhas atividades normais e estava relativamente bem comigo mesmo. Eu quase nunca estava bem comigo mesmo ou com as pessoas em geral, mas estava me sentindo tranquilo. Meu pai me emprestara o carro para eu ir trabalhar aquele dia (ele fazia isso às vezes) e, no trânsito, entre um semáforo e outro, pensei o que eu poderia fazer por mim mesmo a fim de sair da minha zona de desconforto.

A primeira coisa que me ocorreu foi um corte de cabelo. A segunda, comprar roupas novas. Ainda faltavam duas semanas para eu receber meu salário, mas eu tinha algum dinheiro guardado e saldo disponível no cartão; eu não ficaria mais pobre se gastasse um pouco mais aquele mês que já estava acabando mesmo. Decidi que passaria no shopping depois do expediente e me daria ao menos duas camisetas de presente. E nada de tecido de malha fria sem estampa ou qualquer coisa escrita em inglês que não fizesse sentido: eu queria algo bonito, que me deixasse bem, que me fizesse sentir bonito.

Acabei comprando mais do que pretendia. Uma camiseta bacana, uma camisa mais social e uma calça skinny, coisa que nunca usei mas que experimentei por insistência da vendedora que me atendeu, que jurou que ficaria ótimo no meu corpo. E ela estava certa. Pela primeira vez na vida acho que me olhei no espelho e pensei que, se eu não fosse eu mesmo, eu me olharia se me visse passar na rua.

Saí da loja satisfeito. Foram compras medíocres, nada muito, muito especial, mas o bastante para me deixar contente pela noite. Surpresos também ficaram meus pais quando cheguei com aquelas sacolas em casa falando que tinha ido ao shopping procurar umas roupas novas. Os dois levantaram as sobrancelhas e torceram os beiços pela minha atitude inesperada. Depois, guardei as sacolas e me juntei a eles no jantar. Conversamos um pouco. Meu pai contava que recebera um convite para dar uma palestra num simpósio em Nova York.

— Você não consegue uma licença no serviço, Eugênio?

Ele sabia que conhecer Nova York era um sonho meu de adolescência. Não conhecer os Estados Unidos: conhecer Nova York, especificamente.

— Nem em pensamento... O Viriato me mandaria embora assim que eu voltasse.

— Tsc, poxa... Queria tanto que você fosse comigo!

Passar alguns dias em Nova York, só nós dois, seria realmente maravilhoso, um sonho mais do que realizado... Mas eu não sei até que ponto seria bom para mim. Meus sentimentos pelo meu pai se encontravam em uma área cinza entre o fraterno e o profano que eu não estava a fim de borrar. Eu o amava com todo meu coração como pai, mas também o amava como homem, e o desejava em segredo... Imaginar que eu estaria sozinho no mesmo quarto de hotel que ele e que eu nunca teria a chance de transar com ele... Era demais. E aquela troca de palavras de trinta segundos foi o bastante para minha mente construir todo o cenário ideal que jamais se concretizaria.

Álvaro andava meio gordinho ultimamente. Não "gordinho", mas... robusto, eu diria; off season, com uma barriga deliciosa, o peito farto, os braços roliços. Eu conseguia imaginá-lo chegando no quarto de uma palestra, tirando o paletó, desabotoando a camisa sem pressa, desatento, olhando para a televisão enquanto perguntava como fora meu dia. Depois de um banho, ele se deitaria, só de cueca ou samba-canção, jogado na cama para mexer no celular, mandar mensagem para minha mãe, se atualizar das coisas na internet... E eu poderia me deitar ao lado dele e me aninhar em seu peito, sentir seu cheiro de homem de banho tomado, entrepor minhas pernas nas dele, fazer cócegas só para ouvir aquela risada gostosa... Depois, ainda risonho, colocaria a mão dentro da cueca dele e seguraria aquele pau macio, que eu só tivera a chance de ver três ou quatro vezes na vida, em ocasiões tão ordinárias, quando como usamos o mictório de um banheiro público ou quando entrei no quarto dele para perguntar algo e ele estava saindo do banho, se enxugando... Não existia uma política da nudez proibida entre nós, afinal ele achava que eu era hetero mesmo... "Chupa o papai que ele tá cansado", ele pediria e eu obedeceria prontamente... Minha boca salivava só de imaginar o gosto do pau dele deslizando pela minha língua enquanto ele acariciava meus cabelos e dizia "Isso, meu garoto, mama do jeito que eu gosto..." com aquela voz grave, sinuosa...

Prazer e Remissão (romance gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora