16 - VIRADA (parte 2)

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Foram dias felizes os que passamos em Atma, pequenas férias da realidade cotidiana. De manhã Francisco preparava o café, íamos à praia dar um mergulho enquanto ainda não estava muito cheio; jogávamos frescobol, vôlei de praia (esse eu assistia, pois era péssimo); Cláudio paquerava algumas garotas que passavam, eu e Léo comentávamos sobre os caras bonitos que passavam. Tínhamos um gosto parecido para homens, e tínhamos tanta liberdade um com o outro que não sentíamos o menor desconforto ao expressar admiração pela beleza ou pelo sex appeal de quem cruzasse nossas vistas desatentas. Eu não tinha ciúme dele, e ele parecia não ter de mim. Não existia em nós, ao menos ainda, o medo de perder o outro para alguém melhor ou mais bonito ou mais interessante; também não existia o pavor de imaginá-lo beijando ou transando com outra pessoa—pelo contrário, aliás: essa ideia me soava deveras excitante, mas, para azar da minha imaginação fértil, não tive a sorte de presenciar essa cena ou qualquer outra do tipo: fomos um do outro e tão somente um do outro o tempo todo. À tarde jogávamos mais video game; à noitinha, voltávamos à praia ou ficávamos pelos arredores para beber, ver gente, curtir o calor, ouvir o barulho do mar e as exclamações das crianças que brincavam na água.

Ouvimos anunciar no telejornal local que, na noite do dia 31, aconteceria, numa parte da praia muito próxima de onde costumávamos ficar, um show de réveillon, com bandas locais e também artistas nacionais.

— A gente podia ir nesse negócio aí, hein? — Francisco sugeriu. — É de graça mesmo; já 'tamo aqui...

— Ué, por mim... Tudo bem.

— Por mim também.

— Também.

Eu não tinha muito preconceito musical; meus ouvidos eram capazes de tolerar estilos de música diversos. Estávamos ali para nos divertir, afinal, e celebrar o ano novo em grande estilo. Um show local para fechar com chave de ouro a virada do ano em ótima companhia não me parecia nem um pouco má ideia.

Mesmo não sendo adepto dessas tradições, vesti-me todo de branco; fui preparado para aquilo. Camisa de manga curta, bermuda, chinelo de dedo. Léo estava de camiseta cavada e bermuda; Cláudio e Francisco de camiseta normal, quase todos de branco. Às nove da noite, saímos da casa em direção à praia para acompanhar o evento. Foi uma das poucas vezes em que estivemos os quatro juntos, ao mesmo tempo, indo para o mesmo lugar fazer a mesma coisa. As ruas estavam cheias, ruidosas, muita gente olhando o movimento das sacadas dos apartamentos e se preparando para ir assistir à apresentação na praia.

Um grande palco estava montado na areia. O show acabara de começar. Era muita gente reunida; não dava para encontrar um local vazio para ficar mais tranquilo: precisamos nos espremer no meio das outras pessoas para conseguirmos ficar minimamente perto do palco.

Cláudio foi o primeiro a perder a paciência:

— Tá cheio pra caralho, hein?! — exclamou em tom de reclamação.

— Tá, mas assim que é bom! — Francisco retrucou.

Eu não me incomodava; Léo, que estava de mãos dadas comigo, também parecia não se importar muito.

— Eu vou ali no quiosque comprar bebida, alguém quer? — Cláudio ofereceu.

— Não, valeu!

Francisco foi junto, e é óbvio que eles não conseguiram nos reencontrar tão cedo no meio daquele mar de gente. A banda que estava sobre o palco tocava um pop rock bem agradável. Algumas pessoas ao nosso redor cantavam, dançavam, se esbarravam umas nas outras e faziam a maior bagunça com a bebida. Não demorou muito até que eu e Léo e praticamente todos os presentes estivéssemos molhados de cerveja, água de coco, água mineral, refrigerante, suco e toda sorte de líquidos que se podia encontrar à venda por aquelas redondezas. Nossas roupas brancas já não eram mais tão brancas, mas não nos importamos muito: era esperado que aquilo fosse acontecer, não só conosco, mas com quase todos.

Prazer e Remissão (romance gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora