PRÓLOGO

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Pai, mãe:

Deixo este bilhete como despedida e esclarecimento. A culpa não foi de vocês; vocês não erraram na minha criação, não fizeram nada que quaisquer bons pais não teriam feito. Também não tive culpa, acreditem, não foi escolha minha.

Não tenho mais motivos nem vontade para continuar, por isso fiz o que achei melhor. Me perdoem.

Eugênio

Se eu tivesse que resumir minha não tão antiga vida em uma palavra, esta seria fracasso. Detesto soar melodramático e depressivo—mesmo que eu fosse ambas as coisas—, mas a verdade era bem essa: não havia luz no fim daquele túnel úmido por onde eu caminhava há vinte e três anos em silêncio mórbido e dolorido.

Meu nome é Eugênio. Sou, ou era, provavelmente a pessoa menos interessante que você poderia conhecer. Trabalho, estudo, morava com meus pais até pouco tempo; passava o dia na rua e, quando não estava na rua, estava em casa, no meu quarto, trancado, navegando sem rumo ou procurando pornografia na internet. Quase alto, magro, pálido, franzino, óculos de armação grossa para ajudar a disfarçar as olheiras sempre fundas, nariz estranho, lábios trincados, cabelos sem corte, camisetas sem estampa, tênis All Star como símbolo da minha pseudo-rebeldia velada. Virgem. E gay.

Em outras palavras, eu era uma desgraça. Não tinha, ainda não tenho, muitos amigos, pois ninguém queria ter um loser como eu por perto. Beijara na boca três vezes ao longo da vida e sexo era uma ideia tão distante que eu mal conseguia racionalizar. Meus pais não sabiam dessas coisas. Eles não sabem muito sobre mim; sou reservado e não gosto de falar sobre os meus problemas nem para o espelho. Minha mãe, Sílvia, é enfermeira, eu quase não a via; trabalha muito. Meu pai, professor de Física em uma universidade daqui, tinha mais contato comigo, mas sempre procurei evitá-lo. Ele é um homem bom... Bom até demais. Nenhum deles sabia que eu sou gay. Minha mãe é muito religiosa e já manifestara sua homofobia cristã em incontáveis ocasiões. Meu pai, mais esclarecido, não falava muito; eu nunca soube bem o que esperar dele.

Descobri, ou confirmei minha preferência pelo sexo masculino numa visita à casa dos meus tios, quando, depois de um mergulho na piscina, fomos tomar banho. Foi o primeiro homem nu que vi em carne e osso. Ele já era um homem feito, quase quarenta anos. Parrudo, pelos esparsos, corpo bonito aos meus olhos de menino. Eu já era bem adolescente, já havia descoberto a pornografia há algum tempo; mas quando vi pessoalmente, frente aos meus olhos aquele membro roliço coberto por três quartos de pele, sugerindo a cabeça rosada por debaixo do prepúcio... algo clicou dentro de mim. Como eu disse, eu era adolescente, meus pensamentos eróticos estavam muito aflorados; eu estava mais de meio caminho andado da descoberta da sexualidade. Não houvera nada de sexual naquele encontro: éramos apenas eu e meu tio tomando uma ducha depois da piscina...

Foi o bastante. Para ele, é claro, aquilo não significou nada, mas, para mim, foi o início de uma era nefasta.

Na escola, sofri pouco. Os valentões não se davam o trabalho de vir para cima de mim, pois eu não cheirava nem fedia, portanto não os aborrecia. Estudei em escola boa, nem tinha tantos valentões assim. Os populares, por sua vez, me ignoravam, é claro, pois nunca fui legal o bastante para alguém querer se aproximar de mim. Nem por interesse. Minhas notas eram medianas; passava em tudo raspando, mas passava. Os nerds e os esquisitos me procuravam de vez em quando, mas minha inclinação a afastar qualquer sorte de contato humano começou cedo. Assim como eu, eles não tinham nada a me oferecer além de uma empatia que eu queria desprezar. Em função disso e de outras forças menores, desde essa época eu já contava com um número muito limitado de pessoas que se importavam comigo, e acredito ser esse o motivo que me levou, ao longo da vida, a me importar com poucas, pouquíssimas pessoas—ou, ainda: a me importar com ninguém.

Prazer e Remissão (romance gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora