14 - CEIA (parte 2)

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Entrei em contato com Jéssica pela internet, desculpei-me pelo inconveniente, agradeci pelo convite e informei que não poderia comparecer à ceia, pois estaria com meus pais. Ela pareceu ficar ainda mais aflita que eu. Como colega homossexual, ela entendia bem como essas coisas poderiam acabar, especialmente quando havia pais religiosos envolvidos. A mãe, Nair, me enviou boas energias e votos de sorte. Foram as únicas duas pessoas a quem eu disse que estaria em casa com meus pais; a quem interessasse eu esperaria o desenrolar dos fatos para dar notícias.

Foi um longo dia de espera. Eu estava triste, na verdade. Eu não esperava que o encontro à noite fosse ser minimamente feliz ou que fosse trazer alguma solução à minha vida. Estava triste de ter que passar por isso, por ter que bater de frente com os meus próprios pais, por usar uma data tão simbólica para uma finalidade tão bélica. Eu só queria ficar em paz.

Passei o dia quase todo no meu quarto, jogando e estudando para um exame que eu teria no dia seguinte, na faculdade; o primeiro e último do semestre. Saí só para almoçar e tomar banho. Quando deu a hora, tomei um banho, coloquei uma roupa bonita e me perfumei. Pensei que talvez devesse ter comprado um presente, uma lembrancinha para eles, como eu costumava fazer, mas... ficou para a próxima. Cláudio, que se arrumava para ir à casa da mãe enquanto eu me arrumava para voltar para casa, me acompanhava com os olhos, preocupado.

— Quer carona pra ir pra lá? — ele me perguntou.

— Não, eu vou de ônibus, mesmo, fica fora de mão pra você ir pra sua mãe depois.

— Não tem problema, eu não tô com pressa. Eu te deixo lá.

Acabei aceitando. Saímos alguns minutos mais cedo para que ele não se atrasasse; Francisco já estava lá, ajudando com a comida. Dentro do carro, ao contrário de sempre, ele tentava estabelecer qualquer tipo de diálogo comigo. Perguntou coisas aleatórias sobre a faculdade, perguntou como eu estava com Léo, perguntou como eu estava me sentindo em relação ao que estava prestes a acontecer... Mas eu estava tão desconectado, tão exausto de ansiedade... Eu não queria papo. Respondi, lacônico, ao que ele perguntou e tentei ser o menos ríspido possível, pois Cláudio vinha sendo nada menos que amável comigo ultimamente; ele não merecia meu descaso.

— Boa sorte — ele me disse quando chegamos.

— Obrigado.

— Dá aqui um abraço.

Então nos abraçamos pela segunda vez desde sempre. Senti um nó na garganta; uma vontade imensa de chorar só por estar na porta da casa que não era mais minha. Como um condenado que caminha para o enforcamento, meu coração parecia aumentar e aumentar dentro do meu peito, pulsando tão forte que doía.

— Se quiser que eu te busque mais tarde, é só me ligar — ele disse quando nos desvencilhamos.

— Tá bom. Valeu.

Eu ainda precisava me acostumar à ideia de que Cláudio estava se tornando cada vez mais meu... amigo. Mas esse era um pensamento para outra hora. Desci do carro, ajeitei a roupa no corpo e caminhei rumo à campainha. Apertei o botão branco que ressoou dentro da casa enquanto o ronco da caminhonete de Francisco diminuía atrás de mim e esperei por meio minuto, até que Sílvia surgiu à porta.

Foi como se eu estivesse a vendo pela primeira vez na vida. Não como se fôssemos conhecidos virtuais e estivéssemos nos encontrando; não. Era mais como se ela fosse uma completa desconhecida que alegava ser minha mãe, por quem eu tinha o dever ético e moral de nutrir um sentimento fraterno que, naquele instante, era nulo. O sorriso no rosto dela, ao contrário de mim, foi lindo. Eu teria me comovido se não estivesse tão machucado.

Prazer e Remissão (romance gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora