Aguentei as coisas, muitas coisas por muito tempo; mas ouvir da boca do meu próprio pai que ele não queria um filho como eu foi mais do que o suficiente para eu decidir dar cabo da minha vida naquela mesma noite.
Alguns dias antes, por providência divina ou diabólica, eu havia comprado uns antidepressivos na parte obscura da internet, coisas que eu precisaria de uma receita para comprar na farmácia mas não estava disposto a ir a um psiquiatra para conseguir e que, em vinte minutos de busca nos lugares certos, eu já estava em contato com o vendedor. Como eu tinha poucos gastos com o meu dinheiro, preço para mim era o de menos; acabei comprando logo três caixas, para durar pelo resto do ano. Eu não consumia tantos assim; só quando estava a fim de ficar sedado e me esquecer.
Não precisei de nenhum tutorial "Como se matar com antidepressivos". Julguei que tomar dez pílulas de uma vez com um copo de vinho fosse o suficiente. Assim o fiz. Antes, contudo, escrevi um bilhete. Eu queria que meus pais soubessem que não fizeram nada de errado e que não tinham culpa nenhuma por o filho deles ser um veado fracassado. Também não queria ficar me estendendo e escrever um textão de despedida, um Tratado do Suicídio de Eugênio, nada disso: só queria que eles soubessem que se preocuparam em vão e que eu estaria melhor morto.
Foi tudo muito pragmático. Às três horas e quarenta e oito minutos daquele domingo que não amanheceria para mim, escrevi meu bilhete, deixei em cima da minha escrivaninha para que encontrassem depois, quando me descobrissem morto no quarto, fui até a cozinha, peguei um copo e o enchi com vinho, voltei ao quarto, tranquei a porta, peguei minha caixa de comprimidos escondida no fundo da gaveta da cômoda, fechei a janela, tomei os comprimidos como quem toma um analgésico para dor de cabeça, deitei, cruzei as mãos sobre a barriga, pedi perdão a Deus e esperei; pacientemente.
Logo senti uma tontura descomunal e em minutos um mal estar tomou conta do meu corpo inteiro. Não era dor, mas uma sensação de que algo me torcia de dentro para fora, sensação essa que durou até minha certeza de que ainda estava vivo escorrer como água pelo ralo. Fui recobrando a consciência depois do que pareceram horas de uma viagem psicodélica muito errada e tentei abrir os olhos, que estavam tão pesados e ardiam tanto! Eu pensei que estivesse no meu quarto, mas não estava, pois meu corpo estava deitado, jogado sobre uma superfície que não era macia como um colchão. Eu não ouvia nenhum som, mas sentia que havia pressão sobre os meus ouvidos. Eu não sabia se havia morrido, se estava no inferno, que lugar era aquele.
De súbito, o mal estar começou a passar e, assim, reuni forças o bastante para abrir os olhos e me levantar. Eu não estava no meu quarto, nem na minha casa, nem em algum lugar que eu conhecia. Eu estava em uma sala, um escritório muito luxuoso, mas muito escuro. Quatro abajures tingiam o papel de parede arabesco de vermelho. À minha frente, logo percebi uma figura alta, esbelta, sem rosto definido. Um homem, de terno e gravata, apoiado à mesa de madeira escura, de braços e pernas cruzados, me olhando, imóvel.
Percebendo meus movimentos, ele saiu de onde estava e foi a uma estante de onde tirou bebida e um charuto. Eu me levantei e olhei para os lados, confuso.
— Isso é um sonho? — perguntei.
Sempre, nos meus sonhos mais lúcidos, pergunto se estou sonhando para saber se estou mesmo sonhando.
— Não — o homem respondeu sem me olhar.
Conferi as palmas das minhas mãos. Eu podia vê-las. Nunca consigo ver minhas próprias mãos nos meus sonhos... Busquei meu celular no bolso; encontrei. Tentei ligar para casa e consegui digitar os números, mas a ligação não foi completada. Eu não podia estar sonhando. Nos meus sonhos, também perco completamente a capacidade de lidar com o celular; minhas vistas estão sempre turvas e minha coordenação motora me trai.
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Prazer e Remissão (romance gay)
Romance::: LIVRO COMPLETO! ::: NÃO RECOMENDÁVEL A MENORES DE 18 ANOS. Quando ingere uma superdose de sedativos para dar cabo da própria vida, Eugênio só quer se livrar daquele poço sem fundo de desgosto, tristeza e solidão. Ao acordar deitado no chão de...