14 - CEIA (parte 1)

3.7K 482 189
                                    


Nada como um dia após o outro. O domingo que passei com Léo foi sem dúvida um banho de cachoeira para a minha alma. Mesmo depois de ele ter ido embora, devo ter passado pelo menos meia hora sorrindo só de lembrar que eu estivera com ele; mesmo que não tenhamos consumado nada. Talvez amar fosse aquilo, afinal: alegrar-se da companhia de alguém mesmo em silêncio, mesmo sem sexo; sem urgência, sem pressa, sem obrigação. Senti-me verdadeiramente apaixonado naquele dia, mas uma paixão diferente das outras que eu já julgara sentir: uma paixão melhor, mais polida, correspondida. E eu sabia que ia passar, que na segunda-feira ele voltaria a ser meu pau-amigo—apesar da baixeza do termo—, mas era fato que sentir o que eu estava sentindo foi deveras compensador pelo dia de merda que eu estava tendo.

Francisco foi quem levou a soneca vespertina mais a sério: não tirou só uma soneca, como o restante de nós: dormiu; apagou. Pouco tempo depois de Léo ir embora, Cláudio também acordou, e, juntos, na cozinha, descobrimos que, conforme o pai havia dito, não tinha nada para comer; e domingo, àquela hora, não tinha nenhum pequeno comércio aberto nas redondezas. E nós estávamos com fome.

— Puta que pariu... — Cláudio resmungou enquanto vasculhava a geladeira como se dela fosse se materializar um bife pela força do pensamento. — Tem nada pra comer. Você tá com fome?

— Tô...

— Que bosta... Não acredito que eu vou ser obrigado a ir no supermercado.

— Eu vou com você...

— Sério? — ele ainda olhava para as cebolas e para as batatas e para o pote de ketchup quase vazio.

— Uhum.

— Então vamo' logo.

Só vestimos uma blusa e entramos na caminhonete velha do pai. A lei do silêncio dentro do carro seguia em vigor, mas, com o tempo, o meu constrangimento foi diminuindo. O supermercado mais perto estava a dez minutos de distância de nós, e a ele fomos, famintos, encalorados e endomingados.

— O que você quer comer? — ele perguntou enquanto errávamos pelos corredores; ele manobrando o carrinho.

— Não sei... Vamo' comer alguma coisa diferente.

— Tipo o quê?

— Sei lá, pega alguma coisa pronta no freezer. Lasanha, alguma massa... Não sei.

— Não, essas coisas de freezer são tudo cara e vem pouco. Bora fazer uma torta de frango.

— Eu não sei fazer torta de frango, você sabe?

— Eu não, olha aí na internet; vê o que precisa.

Parecia boa ideia, apesar do trabalho de preparar, que certamente seria meu, já que Cláudio não era muito devoto da arte culinária. Peguei o celular dentro do bolso, busquei por algum tempo a receita mais fácil e listei os ingredientes, que fomos pegando ao longo das gôndolas. Levamos refrigerante, umas latinhas de cerveja, Ruffles para beliscar enquanto a torta assava e uns nuggets para ficar para o dia seguinte.

— Passa metade aí e metade no meu cartão — eu disse, sacando minha carteira enquanto esperávamos na fila do caixa.

— Não.

— Cláudio!?

Sem resposta.

— Deixa eu pagar metade, ué!

— Tsc, cala a boca, Eugênio.

Cláudio era uma pétala. Era uma pétala e tinha a mania de não me deixar ratear despesas, mesmo as que eu julgava não serem tão mínimas, como aquela própria ida ao mercado, que não ficaria em menos de 60 áureos. Quem nos ouvisse tendo aquela conversa na fila poderia pensar que éramos namorados tentando mostrar cavalheirismo um ao outro, mas não havia nada de cavalheiro de Cláudio para mim, só aqueles coices, que nem doíam, mas me incomodavam por me fazerem sentir diminuído, proibido de tentar ajudar por motivo nenhum, afinal eu não era um pobretão, nem de longe!

Prazer e Remissão (romance gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora