8 - ACERTO DE CONTAS

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Não nos vimos pessoalmente mais que duas, três vezes logo depois desse segundo encontro. Gastamos muitos minutos, durante os dias que seguiram, conversando pelo Facebook e pelo WhatsApp, mas era difícil nos encontrarmos. Ele trabalhava, eu também, estudávamos em blocos bem distantes um do outro na universidade; era raro nos esbarrarmos. Nossa amizade colorida não perdeu suas cores: tornou-se uma aquarela, bonita, eterna, mas modesta. Eu estaria lá para ele quando ou se ele precisasse de mim, e eu sabia que o contrário também era verdadeiro. Não conversamos sobre namoro, sobre qualquer tipo de relacionamento; eu não sabia se ele tinha alguém e, na verdade, também não faria muita diferença se tivesse. Não era como se estivéssemos muito apaixonados um pelo outro, afinal.

O deslumbramento, a chama do tesão foi diminuindo lentamente, até se aquietar em um nível seguro, que não causaria nenhum incêndio hormonal ou sentimental nem em mim nem nele. Jogamos Ragnarök até enjoar. Nas sextas-feiras em que não saíamos e nos domingos—às vezes durante meia ou uma hora antes de dormir, ao longo da semana também. Era chato jogar sozinho e nem sempre estávamos online no mesmo horário; a brincadeira foi perdendo a graça, mas foi proveitosa enquanto durou.

Tudo me sorria—quase tudo. Pelos quatro, cinco primeiros dias que sucederam a transa na minha casa; aquela semana seguinte, que começou e acabou tão rápido; esse tempo foi o tempo durante o qual tive a mais perfeita paz de espírito em todos os aspectos da existência. Absolutamente nada, nada me abalou ou me tirou do sério sequer por um segundo. Em casa, no trabalho, na faculdade, no convívio social, dentro do meu coração, tudo estava calmo como a imensidão. O que aconteceu foi que, depois desse tempo, na segunda semana seguinte, voltou-me à atenção a ideia de que Viriato ainda estava me tratando à base de silêncio e que meu pai estava de volta a casa. Ele voltara na terça-feira, conforme combinado. Não pude buscá-lo no aeroporto porque tive uns problemas no escritório e, tão feliz que eu estava, evitei pedir que Viriato me deixasse ir embora mais cedo para evitar a frustração do não que eu receberia. Fui surpreendido pela presença dele quando cheguei em casa da faculdade. Lindo! Estava lindo! Recebeu-me com um abraço forte e um sorriso enorme. "Que saudade, meu menino!", ele disse com uma ternura quase tangível. Álvaro às vezes me tratava como se eu fosse sua filha, não seu filho. Desde que voltou a fazer parte da minha vida, no início da minha adolescência, nunca fez nenhum tipo de esforço para me criar dentro de um molde heterossexual; não me induziu a nenhum tipo de atividade "de meninos" nem aproveitou cada oportunidade para tentar saber se eu tinha uma namoradinha, como minha mãe tentara fazer dias antes. Nunca deixou de me tratar por termos carinhosos, de expressar claramente seu amor por mim; nunca me bateu, nunca me negligenciou, nunca deixou de me abraçar e me beijar e me tratar com todo o carinho. Se minha mãe era "meu amor", eu era "meu menino". Garotão, Geninho, campeão, coisas que nunca fui. Só para ele.

Era isso que eu era: um menino, tentando dar sentido à vida, e nesses últimos dias ela vinha fazendo muito sentido. Quando eu e Álvaro tínhamos esses momentos, esses lapsos tão meros de amor umbilical, porém, uma tristeza sem precedentes tomava conta de mim. Era meu lembrete de que aquele era meu limite, o limiar que eu nunca atravessaria; meu pai, filho dele. Talvez por isso eu tenha desenvolvido esse desejo repentino e improvável por Viriato. Projeção, proteção, uma saída de emergência. Eu nunca teria de Álvaro o que o meu íntimo desejava; ele nunca poderia me oferecer o que eu queria, decerto por isso me acendeu aquela luz direcionando para outro rumo, outra saída: meu chefe. Mas, para meu desalento, essa saída agora também era trancada.

No escritório, eu não tinha mais do que reclamar. Efeito colateral do tratamento de silêncio que eu vinha recebendo, fruto da conversa coletiva com Marcelo, era que o comportamento de Viriato parecia ter melhorado em pelo menos quarenta por cento a meu ver. Como um filho rebelde depois da bronca, ele andava miúdo. Seu ar ainda era da mais absoluta soberba, seu jeito de falar ainda era austero, mas a nuvem de enxofre que ele trazia junto quando passava já havia se dissipado. Isso era assunto para todos os departamentos. Todo mundo estava muito curioso para saber o que Marcelo havia dito a ele afinal que o fez mudar de comportamento de forma tão brusca em tão pouco tempo... Mas nunca passaram do campo das especulações, pois ninguém tinha como saber muito sobre ele.

Prazer e Remissão (romance gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora