12 - (DES)ALENTO (parte 1)

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A viagem foi silenciosa. Eu e Cláudio não tínhamos muito assunto para tratar; falamos só o estritamente necessário. Ele me disse o nome de seu pai, Francisco, o bairro em que a casa ficava, menos perto da faculdade do que a casa dos meus pais, quase a mesma distância para ir ao trabalho; informações básicas sobre a rotina da casa: Francisco tinha uma oficina mecânica na avenida duas quadras para baixo do meu novo endereço; Cláudio trabalhava com ele algumas vezes na parte da manhã e ia para a faculdade à noite. Francisco era cinco anos mais velho que meu pai. Divorciado da mãe de Cláudio, casada com outro homem, também moradora de Taigo; tinham uma boa relação, os três. Dois irmãos mais velhos, também casados e com suas vidas feitas. Cláudio era a raspa do tacho. O que me preocupou foram as finanças, assunto de que não tratamos até eu mencionar.

— Não se preocupa com isso.

— É óbvio que eu me preocupo. Uma pessoa a mais na casa vai gerar gastos, eu não quero ser folgado; vamos sentar nós três e ver com quanto eu devo contribuir.

— Tá, outra hora a gente vê isso. Leva essa caixa aqui primeiro, que ela tá mais leve. Acho que são suas roupas.

Acabáramos de chegar. A casa era modesta, mas arrumadinha. Quando ouviu o ronco da caminhonete parando à porta, Francisco apareceu. Foi a primeira vez que o vi. Fiz menção de deixar a caixa no chão para cumprimentá-lo, mas ele me impediu:

— Não; leva isso pra dentro, depois eu aperto sua mão.

Acatei. Entrei na casa e procurei, às cegas, meu novo quarto. Passei pela sala, pela copa, por um corredorzinho e, à esquerda, meu quarto, ocupado só por uma cama de solteiro e um guarda-roupa embutido, me esperava. Não era de todo mau; só um pouco escuro e talvez um pouco quente demais nos dias mais quentes. Mas era tudo bem; eu não estava em posição de reclamar. Deixei a caixa encostada na parede e voltei para a caminhonete, encontrando Cláudio e seu pai algumas vezes durante as idas e vindas para deixar tudo em seu devido lugar.

A preguiça não me permitiu organizar nada naquela mesma noite. Não só a preguiça: o cansaço e o estresse emocional também contribuíram. Quando o ventilador, meu último objeto, foi posto sobre a mesinha do PC, que Francisco acabara de montar com a maior facilidade, eu e ele nos apresentamos.

— Seja bem-vindo, rapaz.

— Obrigado.

— Ó, cê fique à vontade, viu? Aqui não tem frescura: pode abrir a geladeira, tomar banho, fazer barulho, entrar, sair a hora que você quiser. A casa é sua.

— Obrigado... Eu não tenho nem como agradecer.

— Não esquenta com isso: amigo do meu filho é amigo meu também. Você precisando de qualquer coisa, pode falar comigo, aqui em casa ou lá na oficina.

— Tá bom...

— Eu vou arrumar a janta; dá licença.

Uma figura muito interessante, Francisco. Cabelos quase compridos nas laterais e uma calva considerável no meio do crânio. Rugas fortes de expressão, idade certamente inferior à que aparentava. Falava de forma firme, quase severa, como se estivesse bravo ou de péssimo humor, mas, ao mesmo tempo, canalizava uma brandura crônica. Tinha bastantes pelos nos braços e a mão grossa pelo trabalho braçal; aperto forte e postura muito rústica.

— Você quer ajuda pra tirar as coisas da caixa? — Cláudio apareceu.

— Não, vou fazer isso só amanhã. Obrigado.

— Hum. Eu vou sair com a Carol daqui a pouco, quer ir?

— Acho que não... Vou aproveitar o final de semana e descansar um pouco, colocar umas coisas da faculdade em dia...

Prazer e Remissão (romance gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora