6 - FELIZ ANIVERSÁRIO

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O show tinha que seguir, e seguiu. Com o saciamento dos meus impulsos sexuais ou sem, a vida andou—feliz, apesar de tudo. Eu estava feliz, como sempre quis estar, e minha felicidade vinha acompanhada de um bem-estar quase crônico. É claro que eu não tinha picos de alegria súbita de tempos em tempos, mas a nuvem negra de tristeza que sempre pairara tempestuosa sobre mim já não era mais uma realidade.

Meu pai estava em Nova York. Conforme o esperado, ele foi, eu fiquei. Triste, muito triste... Como eu queria ter ido! Bem, a vida não pode ser sempre assim tão justa, não? Ele foi, ficamos eu e minha mãe em casa—na verdade mais não-em-casa do que em casa, pois eu trabalhava e estudava e ela passava a maior parte do tempo no hospital ou cochilando no quarto entre um plantão e outro ou descansando enquanto lia alguma coisa ou via algum programa na TV; não era como se passássemos muito tempo juntos no conforto do nosso lar. Eram dias nublados; dois dias da partida do meu pai e a saudade que sentíamos dele já estava impregnada por toda a casa. Levamo-lo até o aeroporto e nos despedimos com beijos e abraços. Uma semana deveria passar rápido, sim? Eu não tinha tanta certeza. Sete dias longe de quem se ama e se quer tanto não decorrem com a mesma velocidade que sete dias longe de quem se detesta. Mas eram só sete dias, em breve ele estaria de volta.

Nesse meio tempo, em um dos nossos intervalos na faculdade, Jéssica me procurou. Disse que, na sexta-feira em que não teríamos aula depois do intervalo, faria uma festinha na casa dela para comemorar seu aniversário e que fazia questão da minha presença. Ultimamente as pessoas andavam fazendo questão de mim, e eu, que estava em estágio avançado no processo de saída do casulo, aceitei sem ponderar muito. As reuniões na casa dela, quase sempre aos finais de semana, eram de todo inofensivas, e as pessoas que as frequentavam mais assiduamente já eram parte embutida do meu convívio, não me causavam estranhamento nem repelência. Cláudio, Carol, Jorge, Amanda, um ou outro colega de turma ou de alguma outra Engenharia; sempre pessoas que eu conhecia de vista e que também me conheciam. As conversas (quase) sempre amenas, sempre as mesmas, uma cordialidade sutil, um entendimento mútuo e generalizado.

— Pode chamar alguém pra ir também, se você quiser — ela me disse.

— Tá bom. Tem hora pra começar?

— Não, mas tô pedindo pra galera chegar lá pelas oito. Minha mãe vai vir aí, ela já disse que vai tomar conta da comida, só leva o que você for beber.

Justo, visto que cada um gostava de beber uma coisa diferente do outro. Eu só não tinha quem levar junto comigo, mas isso nunca fora problema. Jéssica também deixara avisado que não queria presentes nem lembrancinhas, só nossa presença física, o que acabou me sendo bom, pois eu queria dar a ela alguma coisa, mas não fazia ideia do que.

Na sexta-feira, fui para a faculdade já arrumado e de banho tomado. Agora que eu saía do escritório mais cedo, tinha tempo de voltar para casa e tomar um banho, comer alguma coisa antes de sair de novo. Coloquei uma roupa normal: camisa e calça jeans; as pessoas do nosso grupinho mais próximo não se importavam muito com se arrumar só para ir à casa da Jéssica como se isso fosse um acontecimento social. Como meu pai não estava em casa, o carro estava à minha disposição, já que minha mãe sempre preferia ir trabalhar de ônibus. Comprei três latinhas de cerveja, duas de refrigerante e uma garrafa de suco para caso alguém quisesse beber misturado com alguma outra bebida. Eu andava bem altruísta ultimamente.

A única coisa que me incomodava era a música sempre alta, que sempre me rendia uma dor de cabeça para a qual eu também já fui prevenido, deixando uma cartela de analgésicos em um dos bolsos da minha mochila. Guardei o carro na garagem, entrei e fui recepcionado por Jéssica a própria, que me abraçou fraternalmente e me convidou a entrar. A casa ainda estava vazia, poucas pessoas haviam chegado. A mãe de Jéssica, dona Nair, uma figura; tratava os amigos da filha como se fossem seus próprios amigos. Já sabia de antemão que eu era gay pois Jéssica adiantou a notícia, o que nos rendeu alguns longos minutos de conversa sobre... bem, homens. Nair era separada; devia estar na casa dos quarenta e poucos; muito jovial, alegre. Dispus-me a ajudá-la a preparar a comida e ela aceitou meu auxílio, dando-me tomates, batatas, cebolas, pedaços de carne para cortar e reservar enquanto ela refogava o arroz, procurava, encontrava e tirava a louça de dentro dos armários; reinava na cozinha da filha.

Prazer e Remissão (romance gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora