11 - LAR

3.1K 538 166
                                    

Não chorei uma gota. Sob o domínio da raiva, da decepção, da incapacidade de entender a imbecilidade do ser humano, uma tristeza severa me acolheu, mas as lágrimas não vieram. Eu não tinha para onde ir nem para onde correr, mas estava muito certo de que não passaria mais uma semana sob o mesmo teto que Sílvia e Álvaro. Se eles me queriam fora, fora eu estaria.

Passei a madrugada em claro, pensando, pensando, remoendo, brigando comigo mesmo e com meus pais. Como?! Como?! Que ódio eu sentia dos dois! Como eu queria poder desaparecer, sumir da face da Terra só para não ter que viver aquele dia!... E foi nessa madrugada, às quatro da manhã, que me lembrei daquela madrugada de sábado, às quatro da manhã, em que, depois de ouvir a conversa dos dois no quarto, eu decidi tomar aqueles comprimidos...

E foi então que a ideia me voltou à cabeça.

Eu não tinha para onde escapar, não tinha o que fazer, não tinha uma alternativa, estava no mesmo beco sem saída em que me encontrava da outra vez. Eu ainda tinha os comprimidos guardados, no mesmo lugar. Se, desta vez, eu tomasse uma dose maior, com uma quantidade maior de álcool, poderia funcionar perfeitamente... Eu falhara da outra vez por ter feito alguma coisa errado, tenho certeza. Se eu tivesse sido mais atento... Dormir e não acordar nunca mais resolveria esse problema facilmente e ainda me daria o gostinho, o prazer tétrico de saber que meus pais me encontrariam morto no meu quarto na manhã seguinte e viveriam o resto da vida tendo na consciência o peso eterno, irrevogável, de terem sido os responsáveis pelo suicídio do filho que eles não aceitaram... Eu me refestelaria no inferno sabendo que os dois monstros que me negaram sofreriam por mim para sempre.

Mas agora... Eu era outro. O Eugênio que pensara que se matar resolveria os problemas era outro. O Eugênio de outrora estava, sim, morto naquele sentido. O Eugênio de agora poderia não saber exatamente para onde ir, mas sabia onde procurar. Ele tinha pessoas com quem podia contar: tinha Viriato, tinha Jéssica, tinha os colegas de trabalho, tinha um emprego que lhe permitiria bancar um pensionato, se preciso fosse, ou até mesmo alugar um apartamento pequeno num lugar menos próximo da faculdade. Sua vida perderia as regalias e boa parte do conforto, isso era fato, mas ele jamais olharia para o fundo daquele poço de trevas que o Eugênio de antes veria como a única possibilidade de escape. Para o Eugênio de agora, a dura apunhalada daquele 25 de novembro não era o fim, mas um novo começo.

Sem lágrimas, sem dramas, sem comprimidos. Minha única opção era esperar a madrugada acabar, o dia raiar, sair para o trabalho e pensar no que eu poderia fazer.

Dormi por duas horas, acordei atrasado, não tive o tempo de tomar o banho que eu queria para despertar. Saí de casa sem café, sem ânimo, caindo de sono. Passei no boteco aonde eu costumava ir, tomei duas xícaras de café amargo, comi um pão de queijo massudo e fui para o escritório como se tivesse levado uma surra. Olheiras enormes sob os olhos fundos, falta de vontade de conversar, nada, nada bem. Esquivei-me de todas as pessoas durante o expediente, até de Viriato, que só me viu quando cheguei.

Não fosse o trabalho que eu precisava entregar, também teria faltado na faculdade. Fiquei na rua direto. Saí do escritório às cinco, fiz hora na rua, tomei mais um pouco de café e, às seis e poucos, fui para a faculdade, com o sol ainda no céu. Exausto. Eu estava simplesmente exausto. Quando cheguei à sala, Jéssica, acompanhada de Cláudio, já estava de saída.

— E aí, Eugênio?!

— Oi, Jéssica... Cláudio...

— E aí?

— Vocês já entregaram o trabalho?

— Já, 'tamo indo lá pra casa... — ela me olhou interrogativa. — Você tá com uma cara...

Prazer e Remissão (romance gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora