20 de julho de 2016
Bom dia!
Ou será já boa tarde?
Não sei. Os estores estão fechados. A única luz é a do candeeiro que liguei para te escrever. Para te contar tudo. Tudo aquilo que conseguir.
Pensar no que aconteceu é, ainda, difícil, pelo que falar... nem imaginas. Os meus pais raramente têm cá vindo. Ok, até que me têm visitado bastante, mas sinto-me apática. E eles percebem. Percebem porque, desde que o conhecera, viram tudo. Percebem porque viram a alegria que brotava em mim. A alegria que me enchia o sorriso ao cumprimentá--los pela manhã. Ou até ao saltar quase as escadas com a ânsia de chegar à porta o mais rápido possível.
Eles viram isso.
E viram, também, quando a alegria se evaporou. Quando uma tempestade dentro de mim renasceu. Como se eu fosse um vulcão que estivera adormecido e, agora, ao fim destes anos, voltasse a acordar.
A ansiedade tomava conta de mim.
O ponteiro teimava em não marcar as três da tarde.
Mal podia esperar por vê-lo, ali. Por ver o Carlos bater à porta da minha casa. Por vê-lo sorrir para mim e estender-me a mão, para me ajudar com o meu pequeno saco de praia. Mal podia esperar que me beijasse discretamente a bochecha, sob o olhar atento dos meus pais.
Os meus pais estavam, também, quase tão animados quanto eu. Eles sabiam o que significava este momento.
Mas sabia que algo estava mal.
O seu atraso denunciou-o.
Eram três e meia quando os meus pais me chamaram.
Rodeada por um misto de sentimentos, usei as escadas quase como escorrega e parei em frente à porta, receosa de a abrir. Mas os meus pais tinham-no feito por mim.
Tentei olhar para o rosto da minha mãe e do meu pai, querendo perceber o que estava a acontecer, mas tudo o que via neles era confusão. Confusão e tristeza. O mesmo tipo de tristeza que julgava ter desaparecido. Que julgava nunca mais reencontrar.
Arranjando coragem para enfrentar o que quer que estivesse a acontecer, abri por completo a porta da entrada.
E vi-o.
Ele chorava. Compulsivamente.
Sem conseguir perceber o que se passava, avancei calmamente para ele.
Ele recuou um passo, colando-se quase por completo ao gradeamento da casa, e olhou para mim. E foi com aquele olhar que me lembrei. Me lembrei de tudo.
Foi com aquele seu olhar hipnotizante que me lembrei que, ele, não era meu. Que nunca fora e que nunca poderia ser.
Era o mesmo olhar do rapaz apaixonado que durante anos acompanhara a minha irmã até casa. O mesmo rapaz que lhe pediu em namoro com uma caixa de bombons, toda ela envolta em balões, só por ela ter o "ridículo" sonho de um dia transformar o filme Up em realidade. O mesmo rapaz que a beijou vezes sem conta sob o olhar atento dos meus pais. Olhar que, ao longo dos tempos, também começou a ser o meu. O meu, por ver a minha irmã crescer tão feliz, e de, saudavelmente, invejar também algo assim para mim.
Lembro-me das vezes que lhe perguntei se algum dia teria um rapaz assim doido por mim. Que me fizesse surpresas quando menos esperava. Que não esperasse, pelos meus anos ou pelo natal, para me oferecer algo de grande valor emocional.
Lembro-me de pensar que queria que eles fossem felizes para todo o sempre. Que tivessem uma casa. Filhos, montes deles! E planeava até, secretamente, como ser uma tia perfeita.
Mas o desejo não chegou. O que eu queria, não chegou. E o "para sempre", esse... esse nunca se realizou.
Fazia cinco anos que a minha irmã tinha morrido.
E fazia quase cinco anos que os mesmos olhos esverdeados me tinham olhado, quase que me trespassando.
E era o mesmo olhar de agora. Como se eu e o Carlos tivéssemos acabado de descobrir que a minha irmã, de vinte e seis anos, tinha sido vítima de um acidente de viação.
Eu estava incrédula.
Ele horrorizado.
A minha irmã, Ana, e eu sempre fôramos muito parecidas. E, mesmo com o meu crescimento, esses traços mantiveram-se. Carlos fixava-me por completo ao lembrar-se disso. Ao recordar que eu era parecida com ela. Daí a familiaridade que nos unia. E ele sabia também que era difícil ficarmos juntos.
Ter ultrapassado esta dor tinha sido como que algo de outro mundo, pelo que, estar romanticamente envolvida com o rapaz que durante anos namorara com a minha irmã, era como voltar ao passado. Um passado do qual só queria as memórias.
- Desculpa... - silabou, por entre lágrimas - Não consigo.
Ele nunca deixara de a amar...
Assenti, afastando a cascata de emoções que me assolava, e limpei rapidamente os olhos.
- Eu sei... - respondi-lhe, por meio de soluços.
- Parece que terei mesmo de aprender a viver sem ti...
- E eu também... - retorqui-lhe, debilmente, agora mais próxima dele.
Ele pegou-me uma última vez na mão, acariciando-a, e beijou-a ao de leve.
- Promete-me que és feliz! Só quero isso.
- Prometo-te se conseguires fazer o mesmo!
- Por ti e pela tua irmã, TUDO! – proclamou, mostrando um sorriso ainda apaixonado.
Afastámo-nos, chorosos, e voltámos a olhar-nos, sem fôlego.
As lágrimas continuavam a cair, regando um sentimento antigo, e nem quando ele se virou consegui que parassem.
Era impossível.
Tinha-me apaixonado por quem não podia e, isso, ninguém me poderia fazer esquecer.
Sofia
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P.S.: Ficas Comigo? (Nova Edição)
Fiksi Remaja««« Nesta nova edição, Diogo Simões reúne-se com a revisora Ana Ferreira para um revisitar da história que alcançou mais de 4 mil leituras. »»» Passaram cinco anos desde que aquilo aconteceu. Desde que... desde que "aquilo" me marcou para o resto da...