9 - O pesadelo começou

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— Eu... — Virei-me para encará-lo.

Sua expressão estava indecifrável. Ele observava as flores abaixo de nós uma por uma.

— Você o quê? — Indagou, e encarou-me logo em seguida.

— Eu estava...

Eu não conseguia terminar a frase, estava com medo de uma possível reação negativa da sua parte, então apenas baixei o olhar.

— Estava com um ótimo jardineiro. — Observou, de repente.

Ergui os olhos e deparei-me com um sorriso discreto. Ele sabia, sabia e não se importava. E minha admiração por aquele demônio cresceu mais nesse momento.

— Estava com medo da sua reação.

— Eu sei... — Lúcifer se aproximou e tocou meu ombro — Mas se a sua felicidade está com ele, eu não estragarei seu relacionamento. Sei o quanto é difícil perder quem se ama.

— Obrigada.

— Posso pedir uma coisa?

— Claro...

— Fique um pouco aqui... comigo. Eu gosto de flores. — Confessou-me, sinceramente. — Elas me fazem lembrar de sua mãe.

Foi impossível não sorrir com o comentário. Eu estava com frio por vestir apenas uma camisola fina -que não era transparente, pelo menos-, mas não pude negar ao seu pedido, não quando aqueles olhos verdes incríveis me fitavam de uma forma tão terna. Sentamo-nos ao mesmo tempo em meio àquelas flores maravilhosamente perfumadas. Observei a enorme morada à nossa frente e deixei-me viajar em meus pensamentos. Como seria ter crescido ali desde pequena? Ter crescido em meio a tantos soldados e demônios? Então, peguei-me pensando em outras coisas: para onde iriam as pessoas boas dali quando morressem? Isso me pareceu um tanto estranho. Ficariam elas ali, só que... mortas? Cessei esses pensamentos e apanhei um lírio rosa ao meu lado. Lúcifer me observou enquanto eu inalava o perfume da flor com muito carinho. Mas, de repente, um de seus guardas chegou até nós, ele parecia angustiado. Alegou precisar nos levar até algum local no qual havia acontecido uma tragédia.

Bem, não sei como contar o que se seguiu de uma forma que não pareça tão absurdamente horrível. Passos apressados para dentro do castelo, lágrimas silenciosas e uma voz aguda pedindo por ajuda. Eu não sabia o que fazer, então apenas segui meu pai pelo enorme salão, atravessamos o corredor que nos levaria até o quarto de vestuário dos empregados, e quando nos deparamos com a porta deste cômodo, Lúcifer hesitou abri-la, mas o fez, e então...

Vermelho.

O vermelho no chão do quarto preencheu toda a minha visão, e eu engoli um grito de desespero, fiz menção de desabar de joelhos, mas felizmente, minhas pernas conseguiram suportar meu peso, ainda que meu coração estivesse com mais de uma tonelada naquele momento. Observei as orelhinhas baixas de Lotte e seu nariz pequeno e rosado de tanto chorar, sua bela cauda laranja estava pousada graciosamente no chão e suas mãozinhas cor de pêssego alisavam com ternura o rosto de sua mãe, que jazia sem vida no chão do quartinho. Lotte parou de gritar por ajuda, agora, a menina-raposa apenas chorava, seus soluços causavam uma angústia amarga em meu coração, e isso não era bom. Eu queria tirar a vida de quem havia cometido tal atrocidades com Eliete, uma mulher tão boa e gentil, e além disso, o que seria de Lotte?

Ignorando o chamamento de Lúcifer, entrei no quarto e abracei a raposinha que nele estava. Acolhi ela em meus braços e deixei que suas lágrimas mornas caíssem sobre mim. Eu sabia exatamente o que ela estava sentindo naquele momento, afinal, já havia passado pelo mesmo duas vezes. Ela provavelmente estava tentando entender o motivo, apesar de que não havia um que justificasse aquele ato desumano. Era isso, exatamente isso. Desumano. Provavelmente havia sido um demônio.

Herdeiros (livro 3)Onde histórias criam vida. Descubra agora