Herdeiros (livro 3)

2 - Aparências traiçoeiras

No meio do dia, resolvi me permitir dar um passeio pelo jardim que havia visto pela janela do meu quarto. Como o dia estava ensolarado, escolhi um vestido para usar, algo simples. Já no corredor, encontrei mais alguns membros dos Vulmine, impressionando-me com o quanto todos eram parecidos, embora muitos fossem um pouco rabugentos, diferentes de Charlotte e sua mãe. Desci a escada do salão principal, cumprimentando todos que ali trabalhavam, e passei pela enorme entrada do castelo. No pátio, havia algumas poucas pessoas, e alguns demônios de guarda, ninguém pareceu se importar com minha presença, o que foi um alívio, já que eu pude caminhar sozinha até a entrada do jardim.

- Senhorita! - Alguém tocou meu ombro quando eu estava prestes a entrar.

Virei-me abruptamente e vi um jovem de cabelos escuros, ele parecia preocupado com algo.

- Sim? - Respondi, desviando de sua mão sem rispidez, apenas não queria um estranho me tocando quando bem quisesse.

- A senhorita não pode entrar aí.

- Por quê? - Exclamei, surpresa. - Não é um jardim?

O rapaz, que aparentava ter pouco mais de vinte anos, aproximou-se ainda mais, e colocou as mãos em volta da boca, como se fosse me revelar um segredo.

- Há um gigante terrível aí dentro.

- Como assim? Um demônio?

Fiquei curiosa com a informação.

- Sim, como eu, mas... ele é assustador, as pessoas não falam com ele. Na verdade, nós o tratamos como deve ser tratado. - Confessou-me, seu olhar ganhando um brilho de desdém. - A senhorita não deve entrar aí sozinha.

- Eu não fazia ideia... Obrigada por me avisar. - Sussurrei, tornando a olhar para as flores.

- Acredito que já haja alguém aí dentro, fazendo a festa do dia. - Observei-o sorrir após o comentário, então franzi o cenho, sem entender. - Ah, é que... bem, às vezes nós tiramos o dia para caçoá-lo, ou então o usamos como treinamento, sabe?

Hesitei por um momento, sem acreditar.

- Já que você está comigo, e provavelmente há mais pessoas aí dentro, eu gostaria de entrar para vê-lo. - Afirmei, dando alguns passos para dentro do jardim.

Ele abriu a boca, e a fechou rapidamente, como se não soubesse o que dizer, então assentiu, passando por mim, para caminhar à minha frente.

- A propósito, meu nome é Vitor.

Vitor... péssimo nome.

- Hum... - Respondi, apenas, não tinha a mínima intenção de lhe dizer o meu.

O jardim era como um imenso labirinto, passamos por uma área que mais me pareceu um enorme lago de hortênsias, então um pouco mais à frente, encontramos algumas roseiras, onde o tecido do meu vestido enroscou, e acabou desfiando um pouco quando tentei tirá-lo. Respirei fundo, pelo menos aquela vista e o aroma compensavam em muito.

- Que lindo! - Exclamei, incapaz de conter meu entusiasmos ao avistar um manto de camélias brancas. - Como conseguem cultivas tantas espécies aqui? - Toquei em uma. - É muito mais bonito do que eu imaginei enquanto olhava do meu quarto... - Sussurrei.

- O que disse? - Vitor virou o rosto para mim, gentilmente.

- Ah, nada... vamos.

Depois de algum tempo caminhando, comecei a ouvir vozes, bem como algumas risadas. Então, Vitor fez um sinal para que eu ficasse quieta, e apontou para algo à sua frente. Estreitei os olhos e vi um grupo de pessoas ao redor de alguém. Caminhei um pouco mais para enxergar melhor, era um local um pouco mais aberto, onde havia um chafariz de mármore negro. Os rapazes ali riam e conversavam entre si, enquanto outro tentava acertar pedras em alguém, como se fosse um jogo, já que estava há uma distância considerável de seu alvo. E o alvo em questão provavelmente era o gigante que Vitor havia mencionado, não que ele realmente fosse um, mas era extremamente alto, além de possuir fortes músculos. Eu seria hipócrita se dissesse que o achei sequer bonito, seus cabelos falhados, o olhar carrancudo e as roupas escuras contribuíam para lhe dar um aspecto realmente assustador, no entanto, não o vi fazer nada além de aceitar que lhe jogassem pedras e esmagassem as flores com os pés, enquanto ele tentava inutilmente salvá-las.