Herdeiros (livro 3)

21 - Escolhas erradas

Narrado por Ana

Assim que Luca acordou, ele se sentou, mas continuou com os olhos fechados, por outro lado, Susana permaneceu em um sono profundo. Cheguei mais perto, e então o anjo caído abriu os olhos, encarando-me.

— Por que ela não acordou? — Indaguei.

Luca ficou confuso a princípio, mas quando olhou a garota deitada ao seu lado, seu semblante mudou para uma preocupação extrema. Ele a pegou no colo e checou sua pulsação. Um certo alívio inundou seu rosto, mas ele continuava abraçado a ela.

— Ela deve estar cansada, foi muito para seu psicológico.

— Então... Vocês conseguiram?

Luca olhou para mim e assentiu. Observei seu corpo todo, com alguns machucados, como teriam ficado os outros?

— Vou descer e ver como estão Max e Angel. — Avisei.

— Ficarei aqui mais um pouco.

Sorri, observando-o encaixar sua mão na de Susana. Comecei a descer a escada. Logo vi Angel abraçada a Enrique, suas costas sangravam, mas ela parecia bem.

— O que houve? — Indaguei.

— Um soldado de Devon atirou uma flecha nas costas dela. — Informou-me Max. — Felizmente, eu a tirei, e notei que não havia acertado o local onde nascem suas asas. Mas, se tivesse sido alguns milímetros para o lado...

— Eu teria perdido minhas asas. — Angel falou, baixinho.

— Sinto muito, meu amor. Não consigo nem imaginar a dor que você sentiu. — Enrique disse a ela, abraçando-a outra vez.

— Tudo bem... Fico feliz por ter ajudado sua irmã. — Ela sorriu para ele, mas sua expressão demonstrava o quanto estava cansada. — Por sorte, acabou tudo bem.

Observei os dois e olhei para Jack, assim que o nefilim me viu, pareceu ter se lembrado de algo subitamente.

— Como a Su está? — Perguntou, então completou depois de alguns segundos: — E Luca?

Senti uma pontada de ciúme pela forma como ela parecia estar preocupado com ela, bem mais do que com Luca, porém, decidi que Susana merecia mesmo atenção redobrada, já que estava grávida, e além disso, não havia sido Luca a ter uma batalha dentro de sua mente.

— Luca está um pouco machucado, mas bem... — Hesitei falar sobre o estado no qual Susana se encontrava, pois temia a reação dele.

— E a Su? — Enrique indagou, rapidamente.

Todos olharam para mim.

— Ela está... desacordada.

Eu sabia que, provavelmente, o mais chocado depois daquela notícia seria Enrique, mas minha atenção se limitou somente ao nefilim de olhos dourados. A expressão de pânico em seu rosto, os dedos delgados cravados em suas madeixas escuras... Ele parecia desolado. Então olhou para o teto e fechou os olhos, respirando fundo. Fui até ele, pousei minha mão sobre seu ombro, e sussurrei:

— Jack, vai ficar tudo bem...

— Eu sabia que isso seria perigoso.

Angel pegou a mão de Enrique, e então, ambos subiram a escada que os levaria ao quarto de Luca. Max me encarou, e dando de ombros, saiu da casa, como que para nos dar espaço.

— Ela está bem, Jack. — Afirmei. — O grande problema foi a sobrecarga psíquica que ela teve, mas...

— Espero que esteja certa. Vou vê-la.

Ele passou por mim e começou a ir em direção à escada. Respirei fundo quando o mesmo alcançou o primeiro degrau.

— Não acha que tem gente demais lá?

— Preciso vê-la, Ana.

— Luca pode cuidar dela. Enrique pode cuidar dela! — Exclamei, sem pensar.

Jack ponderou por um momento, então assentiu e veio até mim, abraçando-me. Eu estava aliviada, afinal não precisava que ele ficasse o tempo todo por perto, Susana tinha muitas pessoas a quem recorrer.

— Tem razão. — Afirmou. — Podemos vê-la assim que ela acordar, é o melhor.

Observei seu olhar se perder no vazio, enquanto seus braços ainda me rodeavam, protetores, e não pude deixar de pensar no quanto fui egoísta. Ele e Susana eram como irmãos, era completamente normal sua preocupação para com ela, mas meu ciúme infantil me fez pensar em coisas absurdas.

— Jack...

O nefilim baixou o olhar cor de mel para mim.

— O quê?

— Vamos para casa, por favor.

Ele assentiu, então fomos para fora da casa, e pedimos a Max que dissesse a Luca para nos avisar assim que Susana recobrasse sua consciência. Permanecemos em silêncio durante todo o trajeto até o pequeno apartamento que havíamos alugado em São Gabriel. Já em nossa sala, observei-o tirar sua jaqueta escura, e jogá-la no sofá, despreocupadamente.

— Está com fome? — Perguntou-me, de repente. — Posso preparar alguma coisa, se quiser.

Balancei a cabeça negativamente, sem acreditar em seu cuidado, e indiferença pelo meu pequeno acesso de ciúmes de minutos atrás.

— Jack, eu... — seu olhar pareceu preocupado. — Vou dormir um pouco.

Notei-o baixar um pouco a cabeça, escondendo a expressão de seus olhos com algumas mechas do cabelo escuro e liso.

— O que está acontecendo, Ana? — Indagou, num tom ameno.

A imagem dele extremamente preocupado com Susana, surgiu de repente em minha mente. Eu estava certa de que tudo não passava de medo infantis da minha parte, mas não podia deixar de pensar no quanto me sentia insegura.

Como você é boba, Ana... como pode parecer tão forte, e ser esse pedaço de vidro por dentro? Desde quando é tão boba?

— Desculpe-me pelo que eu disse, não devia tê-lo impedido de vê-la.

— É com isso que está preocupada? — Jack me encarou, sua expressão era séria.

Apesar de ser quase sempre a alegria entre todos nós, era um fato que se irritava facilmente, ainda que não fosse capaz de gritar comigo, ou coisa parecida, vez ou outra se chateava por algo que eu comentava. Mas eu tinha consciência de que não era alguém de fácil convivência.

— Eu não sei o que pensar, Jack. Quando Susana está por perto, parece que você não enxerga mais nada além dela. — Expliquei o que eu pensava, mas me arrependi no mesmo instante.

Bati de leve em minha testa, odiando ser tão idiota. Ergui os olhos para ele, que fitava o nada, com um semblante abatido.

— Se não confia no que sinto, não vejo motivos para eu estar aqui.

Observei-o pegar sua jaqueta, dar às costas para mim, e sair do apartamento, sem sequer olhar para trás. Sentei-me no pequeno sofá, e levei meus joelhos até o peito, abraçando-os, imaginando que uma noite sozinha me faria enxergar o quanto eu havia sido incrivelmente idiota.