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Will

-Às vezes, eu gosto de a ver dormir. De captar cada expressão tão pura e simples dela no seu estado mais simples. Eu estraguei isto. Eu tirei-lhe tudo dela, mas eu acho que a consegui fazer feliz como ela também me fez.

Arranho a ligadura na minha mão. Sinto os meus cabelos caírem para os meus olhos e afasto-os podendo sentir o suor da minha testa agarrar-se a estes. Não faço a mínima ideia de há quanto tempo estou aqui. Preciso de um banho.

Encosto a cabeça na parede e puxo os joelhos para o meu peito. Inspiro e expiro várias vezes a olhar para o escuro da minha amiga solitária. Consigo ouvir as paredes falar. Os sons de gritos ou sussurros, conversas ou delírios. Estar aqui é o pior dos castigos não por estar encerrado, mas por estar encerrado num círculo infinito de vozes doidas.

-Ela tem os cabelos loiros. Lindos. Gosto de passar os meus dedos neles. Gosto de os cheirar, cheiram sempre bem e isso acalma-me. Mais tarde se sentir esse cheiro, lembro-me logo dela. Já te falei do sorriso dela? Ela tem o sorriso mais tímido e carinhoso que eu já vi na minha vida. Gostava de a ter agora, perto de mim. Poder abraçar o seu corpo pequeno no meu. Aposto que também sentes a falta de contacto humano não é?

Fico à espera da resposta que não chega, por isso massajo o pescoço com uma mão.

-Vamos ter uma menina, eu e ela. Vai chamar-se Rosalie. Já sinto no meu coração que ela vai ser tão linda quanto a sua mãe. Mesmo sabendo que eu nunca a vou ver, que nunca vou poder abraça-la e dizer-lhe que sou o pai dela, sei que ela vai ser linda. Espero que a Evelyn esteja bem. Eu sei que não está. Quem estaria depois de um monstro como eu lhe ter posto as mãos em cima? Mas a Eve é mais forte do que imagina e o facto de ter a Rosalie para proteger só a torna mais rija. Quero ve-la outra vez, sabes? Tentar dizer-lhe que eu não sei o que aconteceu. Que eu não me lembro de muito, mas que tenho a certeza que foi aquele Martin que planeou tudo isto. Não sei o que ele tem contra mim, mas eu nunca gostei dele e agora ele deu-me os motivos.

Cuspo para o chão pelo nojo que falar desta pessoa me dá. Tenho a certeza que aqueles comprimidos foram a razão de eu ter feito o que fiz. A pessoa responsável por me entregar a comida tem-me dito que Martin está sobre investigação para terem a certeza dos acontecimentos. Duvido que alguma coisa acontecerá ao qualificadíssimo Dr. Martin. Pelo menos, pelas mãos da direção do hospital, porque pelas minhas... Sorrio.

Ouço passos no corredor e consigo ouvir as vozes modificarem um pouco como reação.

-É para ti William. - A parede finalmente responde.

-Para mim? - olho para o prato de comida ainda cheio a poucos metros de mim questionando-me se já é hora de comer.

-É o que eles estão a dizer. Não penses muito lá fora. Mantem-te calmo. Tenta não voltar por mais que te possa custar não agir às vezes. Nunca faças nada com as tuas próprias mãos.

-Qual é o teu nome? - pergunto para a pessoa na solitária ao lado da minha que tem sido a minha companhia e os meus ouvidos para todos os devaneios aleatórios.

-Não precisas de o saber. Apenas segue o meu conselho.

A voz cessa e fico a ver o meu portão abrir lentamente. Semicerro os olhos à margem de luz que invade a divisão. Um homem fardado com o uniforme da instituição entra e procura vida na minha cama vazia.

-Vauseman?

-Mais conhecido por William, sim? - dig do meu canto chamando a atenção do homem.

-William, levanta-te. Estás livre. - ele diz ficando ao lado da porta.

Levanto-me calmamente observando-o. Semicerro mais uma vez os olhos e tento protege-los da luz com as minhas mãos no preciso momento em que os meus pés descalços pisam o chão do corredor.

EvelynOnde histórias criam vida. Descubra agora