Lívia e o irmão dançavam num canto da sala. Dançavam quietos,
enroscados, movidos por um ritmo só deles, que não era carnavalesco. Quando
os foliões esbarravam no par, os dois rostos se encontravam e, aí sim, davam
gargalhadas de Carnaval. Yaqub ensombreceu. Não teve coragem de ir falar
com ela. Odiou o baile, “odiei as músicas daquela noite, os mascarados, e odiei
a noite”, contou Yaqub a Domingas na tarde da Quarta-Feira de Cinzas. Foi
uma noite insone. Ele fingia dormir quando o irmão entrou no quarto dele
naquela madrugada, quando o som das marchinhas carnavalescas e a gritaria
dos bêbados enchiam a atmosfera de Manaus. De olhos fechados, sentiu o
cheiro de lança-perfume e suor, o odor de dois corpos enlaçados, e percebeu
que o irmão estava sentado no assoalho e olhava para ele. Yaqub permaneceu
quieto, apreensivo, derrotado. Notou o irmão sair lentamente do quarto, o
cabelo e a camisa cheios de confete e serpentina, o rosto sorridente e cheio de
prazer.
Foi o seu último baile. Quer dizer, a última manhã em que viu o irmão
chegar de uma noitada de arromba. Não entendia por que Zana não ralhava
com o Caçula, e não entendeu por que ele, e não o irmão, viajou para o Líbano
dois meses depois.
Agora o Land Rover contornava a praça Nossa Senhora dos Remédios,
aproximava-se da casa e ele não queria se lembrar do dia da partida. Sozinho,
aos cuidados de uma família de amigos que ia viajar para o Líbano. Sim, por
que ele e não o Caçula, perguntava a si mesmo, e as mangueiras e oitizeiros
sombreando a calçada, e essas nuvens imensas, inertes como uma pintura em
fundo azulado, o cheiro da rua da infância, dos quintais, da umidade
amazônica, a visão dos vizinhos debruçados nas janelas e a mãe acariciando-
lhe a nuca, a voz dócil dizendo-lhe: “Chegamos querido, a nossa casa...”.
Zana desceu do jipe e procurou em vão Omar. Rânia estava no alpendre,
alinhada, perfumada.
“Ele chegou? Meu irmão chegou?” Correu para a porta, de onde avistou um rapaz tímido, mais alto que o pai, segurando o farnel surrado e
agora olhando para ela com o olhar de alguém que vê pela primeira vez a
moça, e não a menina mirrada que abraçara no cais do Manaus Harbour.
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Dois irmãos (Parado Por Um Tempo)
RomanceA casa foi vendida com todas as lembranças todos os móveis todos os pesadelos todos os pecados cometidos ou em vias de cometer a casa foi vendida com seu bater de portas com seu vento encanado sua vista do mundo seus imponderáveis [. . .] Carlos Dru...