Capítulo 25

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Bateu nas costas de Halim: “E então, paisano? Que
cara é essa?”. Abbas, diante da ameaça de um fracasso, cochichou no ouvido
do amigo: “Os gazais são convincentes, a paciência é poderosa, mas o coração
de um tímido não conquista ninguém”. Pediu duas garrafas de vinho,
entregou-as a Halim e disse: “Amanhã, sábado, dois litros de vinho e...
felicidades, paisano!”.
Enfim, Halim decidiu agir, cheio da coragem exacerbada pelo vinho. Ele
se exaltava quando, nas nossas conversas, me contava os detalhes da
conquista amorosa. “Ah... a ânsia e o transe que tomaram conta de mim
naquela manhã”, disse-me.
As rimas de Abbas: louco com afoito. O que mais queria Zana? Então,
na manhã daquele sábado, Halim entrou cambaleando no Biblos. Os olhos
dele fisgaram a moça no meio da sala. O viúvo Galib notou o fogo no visitante.
Ficou paralisado, o peixe de boca aberta e olhos saltados na bandeja equilibrada
na mão esquerda. Talheres silenciaram, rostos viraram-se para Halim. As pás
do ventilador, o único zunido no mormaço da sala. Ele deu três passos na
direção de Zana, aprumou o corpo e começou a declamar os gazais, um por
um, a voz firme, grave e melodiosa, as mãos em gestos de enlevo. Não parou,
não pôde parar de declamar, a timidez vencida pela torrente da paixão, pelo
ardor que irrompe subitamente. Zana, a moça de quinze anos, ficou
estonteada, buscou refúgio junto ao pai. O zunido do ventilador foi abafado
por murmúrios; alguém riu, muitos riram, mas as gaitadas não alteraram a
expressão do rosto de Halim. Tinha o olhar concentrado em Zana, e os poros
todos da pele expeliam o vinho da felicidade. Tímido, mas corajoso num
rompante, nem ele mesmo soube como atravessou a sala e segurou o braço de
Zana, cochichou-lhe alguma coisa e se afastou, de frente para ela,
encarando-a com o olhar devorador, dócil e cheio de promessas. Permaneceu
assim até que as risadas cessaram, e um silêncio solene deu mais força e
sentido ao olhar de Halim. Ninguém o molestou, nenhuma voz surgiu
naquele momento. Então ele se retirou do Biblos. E dois meses depois voltou
como esposo de Zana.
Os gazais de Abbas na boca do Halim! Parecia um sufi em êxtase
quando me recitava cada par de versos rimados. Contemplava a folhagem
verde e umedecida, e falava com força, a voz vindo de dentro, pronunciando
cada sílaba daquela poesia, celebrando um instante do passado. Eu não
compreendia os versos quando ele falava em árabe, mas ainda assim me emocionava: os sons eram fortes e as palavras vibravam com a entonação da
voz. Eu gostava de ouvir as histórias. Hoje, a voz me chega aos ouvidos como
sons da memória ardente. Às vezes ele se distraía e falava em árabe. Eu sorria,
fazendo-lhe um gesto de incompreensão: “É bonito, mas não sei o que o
senhor está dizendo”. Ele dava um tapinha na testa, murmurava: “É a
velhice, a gente não escolhe a língua na velhice. Mas tu podes aprender umas
palavrinhas, querido”.

Dois irmãos (Parado Por Um Tempo)Onde histórias criam vida. Descubra agora