Um bom mestre, um exímio pregador, o Bolislau. A mãe se desnorteou
com a notícia da viagem de Yaqub. O pai, ao contrário, estimulou o filho a ir
morar em São Paulo, e ainda lhe prometeu uma parca mesada. Halim havia
melhorado de vida nos anos do pós-guerra. Vendia de tudo um pouco aos
moradores dos Educandos, um dos bairros mais populosos de Manaus, que
crescera muito com a chegada dos soldados da borracha, vindos dos rios mais
distantes da Amazônia. Com o fim da guerra, migraram para Manaus, onde
ergueram palafitas à beira dos igarapés, nos barrancos e nos clarões da cidade.
Manaus cresceu assim: no tumulto de quem chega primeiro. Desse tumulto
participava Halim, que vendia coisas antes de qualquer um. Vendia sem
prosperar muito, mas atento à ameaça da decadência, que um dia ele me
garantiu ser um abismo. Não caiu nesse abismo, nem exigiu de si grandes
feitos. O abismo mais temível estava em casa, e este Halim não pôde evitar.
O desfile com farda de gala fora a despedida de Yaqub: um pequeno
espetáculo para a família e a cidade. No colégio dos padres prestaram-lhe uma
homenagem. Ganhou duas medalhas e dez minutos de elogios, e ainda foi
louvado por latinistas e matemáticos. Os religiosos sabiam que o ex-aluno
tinha futuro; naquela época, Yaqub e o Brasil inteiro pareciam ter um futuro
promissor. Quem não brilhou foi o outro, o Caçula, este, sim, um ser opaco
para padres e leigos, um lunático, alheio, inebriado com a atmosfera libertina
do Galinheiro dos Vândalos e da cidade.
Omar faltou ao jantar de despedida do irmão. Chegou de madrugada, no
fim da festa, quando só os da família, exaustos, se despediam da última noite
com Yaqub. Halim estava orgulhoso: o filho ia morar sozinho no outro lado do
país, mas ia precisar de dinheiro, não podia viajar assim... Por um momento a
voz de Yaqub ressoou na casa, uma voz já de homem, cheia de decisão,
dizendo “Não, baba, não vou precisar de nada... Dessa vez quem quis ir
embora fui eu”. Halim abraçou o filho, chorou como havia chorado na
manhã em que Yaqub partira para o Líbano. Zana ainda insistiu: que lhe
mandaria uma mesada, que ele não ia ter tempo para trabalhar. “Teus
estudos...”, acrescentou. “Nem um centavo”, ele disse olhando para a mãe.
Então escutaram um ruído: Omar largara a bicicleta no quintal e armava a rede vermelha.
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Dois irmãos (Parado Por Um Tempo)
RomanceA casa foi vendida com todas as lembranças todos os móveis todos os pesadelos todos os pecados cometidos ou em vias de cometer a casa foi vendida com seu bater de portas com seu vento encanado sua vista do mundo seus imponderáveis [. . .] Carlos Dru...