capítulo 11

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Selos, soldados e canhões foram esquecidos. O chorinho da vitrola,
apagado. Um relógio antigo bateu quatro vezes. Uma correria pela escada de
madeira estremeceu a casa e em pouco tempo o porão foi povoado de gritos, as
cadeiras da primeira fila foram disputadas. Yaqub reservou uma cadeira para
Lívia e o Caçula desaprovou com o olhar esse gesto polido. Da escuridão
surgiram cenas em preto e branco e o ruído monótono do projetor aumentava
o silêncio da tarde. Nesse momento Domingas despediu-se dos Reinoso. A
magia no porão escuro demorou uns vinte minutos. Uma pane no gerador
apagou as imagens, alguém abriu uma janela e a plateia viu os lábios de Lívia
grudados no rosto de Yaqub. Depois, o barulho de cadeiras atiradas no chão e o
estouro de uma garrafa estilhaçada, e a estocada certeira, rápida e furiosa do
Caçula. O silêncio durou uns segundos. E então o grito de pânico de Lívia ao
olhar o rosto rasgado de Yaqub. Os Reinoso desceram ao porão, a voz de
Abelardo abafou o alvoroço. O Caçula, apoiado na parede branca, ofegava, o
caco de vidro escuro na mão direita, o olhar aceso no rosto ensanguentado do
irmão.
Estelita subiu com o ferido e chamou um dos curumins: corre até a
casa da Zana, chama a Domingas, mas não fala nada sobre isso.
A cicatriz já começava a crescer no corpo de Yaqub. A cicatriz, a dor e
algum sentimento que ele não revelava e talvez desconhecesse. Não
tornaram a falar um com o outro. Zana culpava Halim pela falta de mão firme
na educação dos gêmeos. Ele discordava: “Nada disso, tu tratas o Omar como
se ele fosse nosso único filho”.

Dois irmãos (Parado Por Um Tempo)Onde histórias criam vida. Descubra agora