capítulo 15

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Num dia em que o Caçula passou a tarde toda de cueca deitado na rede,
o pai o cutucou e disse, com a voz abafada: “Não tens vergonha de viver
assim? Vais passar a vida nessa rede imunda, com essa cara?”. Halim
preparava uma reação, uma punição exemplar, mas a audácia do Caçula
crescia diante do pai. Não se vexava, parecia um filho sem culpa, livre da cruz.
Mas não da espada. Foi reprovado dois anos seguidos no colégio dos padres. O
pai o repreendia, dava o exemplo do outro filho, e Omar, mesmo calado,
parecia dizer: Dane-se! Danem-se todos, vivo a minha vida como quero.
Foi o que ele gritou ao ser expulso do colégio. Gritou várias vezes na
presença do pai, desafiando-o, rasgando a farda azul, a voz impertinente
dizendo: “Acertei em cheio o professor de matemática, o mestre do teu filho
querido, o que só tem cabeça”.
Zana e Halim foram convocados pelo diretor. Só ela foi, ela e Domingas,
sua sombra servil. Soltou cobras e lagartos nas ventas do irmão diretor. O
senhor não sabia que o meu Omar adoeceu nos primeiros meses de vida? Por
pouco não morreu, irmão. Só Deus sabe... Deus e a mãe... Ela suava, entregue
ao êxtase de grande mãe protetora. Ouviram o sino bater seis vezes, o vozerio
e a agitação dos internos que se encaminhavam ao refeitório, e logo o silêncio,
e a voz dela, mais calma, menos injuriada, Quantos órfãos deste internato
comem à nossa custa, irmão? E as ceias de Natal, as quermesses, as roupas
que nós mandamos para as índias das missões?
Domingas abanava o corpo da patroa. O irmão diretor suportou o
desabafo, olhou para fora, para o anoitecer morno que começava a esconder o
imenso edifício dos salesianos. Cabras pastavam no quintal do colégio. Os
meninos órfãos, fardados, brincavam de gangorra, os corpos equilibrados
sumindo lentamente na noite. Ele abriu uma gaveta e entregou a Zana o
boletim de notas e uma cópia da ata de expulsão de Omar. Mostrou-lhe o
boletim médico sobre o estado de saúde do padre Bolislau, o professor de matemática. Entendia a indignação de uma mãe ferida, entendia o ímpeto e a
imprudência de alguns jovens, mas dessa vez tinha sido inevitável. A única
expulsão nos últimos dez anos. Então o irmão diretor perguntou pelo outro, o
Yaqub. Continuaria no colégio?

Dois irmãos (Parado Por Um Tempo)Onde histórias criam vida. Descubra agora