Capítulo 13

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Os dois saíam cedo para o colégio; quem, de longe, os olhasse caminhar,
juntos, vestindo a farda engomada por Domingas, teria a impressão de ver os
dois irmãos conciliados para sempre. Yaqub, que perdera alguns anos de escola
no Líbano, era um varapau numa sala de baixotes. Zana temia que ele mijasse
no pátio do colégio, comesse com as mãos no refeitório ou matasse um cabrito
e o trouxesse para casa. Nada disso aconteceu. Era um tímido, e talvez por isso
passasse por covarde. Tinha vergonha de falar: trocava o pê pelo bê (Não bosso,
babai! Buxa vida!), e era alvo de chacota dos colegas e de certos mestres que o
tinham como um rapaz rude, esquisito: vaso mal moldado. Mas era também
alvo de olhares femininos. E olhar Yaqub sabia. De frente, como um
destemido, arqueando a sobrancelha esquerda: um tímido que podia passar por
conquistador. Sorria e dava uma risada gostosa no momento certo: o
momento em que as meninas das praças, dos bailes e dos arraiais suspiravam.
Na casa, Zana foi a primeira a notar esse pendor do filho para o galanteio.
Domingas também se deixava encantar por aquele olhar. Dizia: “Esse gêmeo
tem olhão de boto; se deixar, ele leva todo mundo para o fundo do rio”. Não,
ele não arrastou ninguém para a cidade encantada. Esse encantamento dos
olhos deixava expectativas e promessas no ar. Depois a mãe tinha que aturar
as cunhantãs que assediavam seu filho. Enviavam bilhetes e mensagens pela
manicure. A mãe lia as palavras das oferecidas, lia com um prazer quase
cruel, sabendo que o seu Yaqub não sucumbiria aos versos de amor copiados
de poetas românticos. Ali, trancado no quarto, ele varava noites estudando a
gramática portuguesa; repetia mil vezes as palavras mal pronunciadas:
atonito, em vez de atônito. A acentuação tônica... um drama e tanto para
Yaqub. Mas ele foi aprendendo, soletrando, cantando as palavras, até que os
sons dos nossos peixes, plantas e frutas, todo esse tupi esquecido não embolava
mais na sua boca. Mesmo assim, nunca foi tagarela. Era o mais silencioso da
casa e da rua, reticente ao extremo. Nesse gêmeo lacônico, carente de prosa,
crescia um matemático. O que lhe faltava no manejo do idioma sobrava-lhe
no poder de abstrair, calcular, operar com números.
“E para isso”, dizia o pai, orgulhoso, “não é preciso língua, só cabeça.
Yaqub tem de sobra o que falta no outro.”
Omar ouvia essa frase e tornou a ouvi-la anos depois, quando Yaqub,
em São Paulo, comunicou à família que havia ingressado na Escola
Politécnica (em “brimeiro lugar, babai”, escreveu ele, brincando). Zana sorriu triunfante, enquanto Halim repetia: “Eu não disse? Só cabeça, só
inteligência, e isso o nosso Yaqub tem de sobra”.

Dois irmãos (Parado Por Um Tempo)Onde histórias criam vida. Descubra agora