capítulo 21

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Não estava embriagado, demorou a pegar no sono e acordou
várias vezes com o sol que lhe esquentava a cabeça, irritava-o a ponto de
esmurrar o chão e a parede. Ele foi esquecido, por uma vez Omar dormira sem
a proteção das duas mulheres. Só se levantou depois do almoço, e não quis a
comida fria. Estava atento aos movimentos da mãe, que só tinha olhos para o
viajante. Halim ainda estava no quarto, Domingas arrumava na mala pacotes
de farinha e mantas de pirarucu seco. O Caçula não moveu uma palha:
continuou sentado à mesa, quieto diante do prato intocado, o olhar desviando
furtivamente para o rosto do irmão. Sofria com a decisão de Yaqub. Ele, o
Caçula, ia permanecer ali, ia reinar em casa, nas ruas, na cidade, mas o outro
tivera a coragem de partir. O destemido, o indômito na infância, estava
murcho, ferido. “Ele queria sair da sala, mas não conseguia”, disse-me
Domingas. Não queria ver o irmão altivo, sereno, ouvindo a mãe pedir a Yaqub
que lhe escrevesse uma carta por semana, nem pensasse em deixá-la sem
notícias, preocupada aqui neste fim de mundo. Rânia rondava o viajante, e
ajoelhava-se para murmurar palavras que só ele escutava. Domingas não
tirava os olhos dele, e anos depois ela me contou que estava nervosa com a
viagem de Yaqub. Nem Zana podia impedi-lo de partir.
As mãos agitadas de Domingas tiravam roupa da mala, tentavam
encontrar um lugar para o peixe seco e a farinha. Zana vigiava essa
arrumação complicada, ia interferir quando a campainha tocou com
insistência e Omar se adiantou, correu para a porta da entrada e todos
ouviram palavras atropeladas.
“Quem é, Omar?”, perguntou a mãe, e logo depois um bate-boca, e o
estalo da porta que se fecha e mais uma vez o som da campainha.
“Por onde o Omar se meteu?”, perguntou Zana. “Domingas, vai lá ver o
que está acontecendo.”
Domingas fechou a mala e foi apressada até a porta. Depois a voz dela,
alta, num tom petulante:
“Ele vai viajar daqui a pouquinho.”
Estalos de salto alto ecoaram no corredor. Zana lançou um olhar
perplexo e depois desdenhoso para a mulher que entrava na sala procurando
Yaqub com os olhos. Ninguém ouvira falar dela desde aquela tarde em que o
Caçula rasgara o rosto do irmão no porão da casa dos Reinoso. Zana atribuía a
cicatriz no rosto de Yaqub ao demônio da sedução daquela meninona aloirada.
Mesmo quando o filho estava no Líbano, ela dizia a Domingas: “Não entendo
como a tal grandalhona pôde enfeitiçar meu filho”. Às vezes refazia a frase e dizia: “Não entendo como o meu Yaqub se deixou enfeitiçar por aquela osga”

Dois irmãos (Parado Por Um Tempo)Onde histórias criam vida. Descubra agora