O fundo do poço não é um bom lugar para se viver, além de ser frio, escuro, da falta de esperança destruir o coração, por aqui ouve-se vozes.
***
Depois da porta do quarto ser batida brutalmente por Edu pela segunda vez, controlo o choro debaixo da ducha fria, reúno forças e saio pelas ruas agitadas do sábado à noite de São Paulo. Vasculho os lugares onde costumamos ir. Ligo para Edu e escuto, da secretária eletrônica de seu celular, a seguinte mensagem: "deixe seu recado, em breve retornarei sua ligação", um número considerável de vezes. Ele não retorna minhas ligações e eu não o encontro. Volto para minha casa, em Piracicaba, na manhã de domingo, sem Edu no ônibus, mas sua voz decepcionada não me abandona, fica martelando em minha mente.
Louca! Louca! Louca...
Faz horas que acordei. Não dormi no colo oferecido por minha mãe, pelo contrário, encarei o chão do meu quarto, a voz em minha mente e minha realidade. Viro–me na cama, alcanço o celular e deito de costas.
São seis horas da manhã de segunda-feira e onde estará Edu?
Pergunto–me. Deslizo o dedo sobre a tela do smartphone que ele me deu de presente, quando ganhamos nosso primeiro dinheiro e toco sobre seu nome, aguardo e, pela milionésima vez, ele não atende... e nunca atenderá. Seu gênio forte e sua imensa teimosia somente o permite resolver questões "importantes" se for pessoalmente.
E ele ainda não desconfiou que estamos auge da questão mais importante de nossas vidas, , importante demais para deixarmos nos levar por preceitos?
Deixo o celular sobre o travesseiro, encaro o teto e, desde a primeira vez que vi Edu, não penso nele, penso em mim. Meu coração está sem aquela angustia de querer evaporar, minha boca não treme de medo ou de raiva por ter de enfrentar logo mais a noite, coisas que meu coração não consegue suportar. Esfrego as mãos sobre o rosto e elas não estão suadas. O nó de não ser eu mesma já não se agita em meu estômago e eu me pergunto como, sem a presença de Edu, posso experimentar esse espectro inteiro de emoções. Penso por um breve segundo e a resposta, de tão simples, brilha feito fogos de artifício em minha mente: eu não consigo me arrepender do que fiz. É libertador acordar e ter pela frente um dia comum, poder andar pelas ruas de cabeça erguida e deixar de lado as feições apáticas. Como posso me considerar uma louca me sentindo tão bem?
Saio da cama e tomo banho, como não sou louca, vou enfrentar minha realidade. Vou para o estágio.
***
— Bom dia! — Mário, meu supervisor na Ecoviva, uma empresa especializada em desenvolvimento e execução de projetos ambientais, exclama surpreso ao me ver sentada na frente do computador.
— Bom dia! — retribuo o cumprimento de modo automático.
Ainda lutando para abaixar o volume da repetitiva voz de Edu em minha mente, meus olhos demoram para se focar no rosto de Mário.
— Hoje não seria um dia de folga? — ele pergunta de sobrancelhas arqueadas e olhos estreitados.
— Sim, mas meus compromissos foram rapidamente resolvidos em São Paulo e eu prefiro estar aqui, entre mudas e árvores virtuais, do que em casa, sendo encarada pelo teto do meu quarto — respondo sem esconder o tédio na voz.
Ele balança a cabeça em sinal de aprovação.
— Ah! Fico feliz em saber que gosta de trabalhar na Ecoviva, porque trago duas notícias para você. Uma boa e outra... mais ou menos! — enquanto fala, um sorriso sorrateiro aparece nos lábios dele. — Qual vai querer ouvir primeiro?
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Quatro Semanas ( Degustação. Disponível na Amazon)
RomanceStella Lopes Ernanes é uma jovem cansada de ser submissa aos desejos do namorado. Decidida a ser ela mesma e dona do próprio destino, diz sim ao novo emprego e sai da casa dos pais para morar sozinha em uma cidade desconhecida. Quatro Semanas depois...