Quatro Semanas ( Degustação. Disponível na Amazon)

Capítulo 18

Respirando fundo, exalo um suspiro debaixo da ducha fria do "meu" banheiro. Minha primeira atitude individual foi assumir não suportar levar a vida que estava levando em Piracicaba e agora descobri o que se faz com a maior das consequências de minha escolha: a tão famosa liberdade. Não devo satisfação alguma à Marcel, mas fui honesta e meu pai teria se orgulhado de mim. Acho que entendi direitinho seu recado dado em dezoito de março de 2017.

Toc Toc

- Entra! - Retiro o livro da frente de meus olhos inchados e embaçados pelo choro. - Oi, pai! - Empurro o travesseiro sobre a cabeceira da cama, limpo o rastro de lágrimas em minhas bochechas e me sento um pouco tonta, enquanto observo senhor Walter entrar, fechar a porta do quarto e se sentar ao meu lado na cama.

Ele olha em meus olhos.

Herdei os olhos negros, o cabelo preto e liso, a pele morena e a alma romântica dele. Meu pai nunca mais voltou ao seu país de origem, o Peru, depois que seus olhos encontraram os da, esguia e clara, paulistana que viria a ser minha mãe. Mas o que realmente eu gostaria de ter herdado é a beleza de sua sábia e lúcida mente. Seu olhar benevolente me avalia, depois, avalia o livro de alemão em minhas mãos.

- Desde o dia que ganhou o prêmio da universidade Alemã, você nunca mais sorriu. -Seu sotaque é uma linda melodia soprada de seus lábios. - Stella. - Ele fixa novamente o olhar em mim e eu sou toda atenção. - Vivemos tempos de poder fazer escolhas e ter o poder de escolher nada mais é do que ser livre. Conceder-se a liberdade, atendendo suas necessidades e vontades próprias não é sinônimo de solidão, sim de honestidade. Seja honesta com você e quem estiver ao seu lado saberá que está sendo honesta para com ele também.*8 Você escolheu não embarcar para Alemanha e hoje, está sofrendo por ter feito a escolha errada e Edu não está muito melhor lá embaixo. Vou falar para ele subir e você não se esqueça que a liberdade não está somente em poder andar pelas ruas, ela está aqui - ele toca meu coração - mas principalmente aqui: - ele toca minha testa - na clareza de suas reflexões.

Desligo a ducha antes de começar a chorar copiosamente como fiz naquele dia, mas não consigo segurar as lembranças.

Toc Toc.

- Thiago quase me esmurrou. Avisa pro seu irmão que quem escolheu ficar foi você.

- Edu entra no meu quarto e seus olhos encontram os meus. - Obrigada por não mudar de Piracicaba! Eu amo você, Llá! - Seus dedos entrelaçam os meus - Me desculpe pela briga! Perdi a cabeça quando vi o passaporte, a data, o horário do voo...

- Thiago deveria ter acertado você em cheio, isso sim! Pra que serve irmão mais velho, senão para defender a única irmã? - Acaricio seus dedos. - Você sabe que não fui para Alemanha por sua causa... Cobrar o cumprimento dos compromissos agendados foi jogo baixo. Aliás, só fiquei porque eu não quero deixar nenhum de nossos amigos na mão.

Edu deita na minha frente e me aninha em seus braços.

- Você não precisa da engenharia pra nada! Sei o quanto o estágio faz bem a você porque ocupa seu tempo, você é uma mulher de muita energia e precisa extravasá-la, mas sabemos que juntos somos imbatíveis. Eu blefei quando disse que estaria tudo acabado entre nós se fosse para Alemanha, mas não blefei quando disse que não consigo ver meu futuro longe do seu. E para demonstrar minha gratidão por ter ficado, vou fazer um único e último pedido. - Ele faz beicinho e toda raiva acumulada durante nossa discussão de dois dias atrás, vai virando fumaça e esvazia meu coração deixando-o ridiculamente sentimental, estupidamente mole. - E se você aceitar, cumpriremos os compromissos agendados e prometo não agendar mais nada sem seu prévio consentimento. - Ele me beija rápido, fixa o olhar repleto de expectativas nos meus e libera sua proposta. - Fomos convidados para o Lollapalooza e se você aceitar, entraremos pela porta da frente.

Começo a me secar, mas o vazio continua sendo o foco de meus olhos. Fui para o Lollapalooza de livre e espontânea vontade. Esfrego a toalha sobre o rosto, cobrindo-o envergonhada por ter sido fraca e ter feito todas as vontades de Edu durante todo o ano de 2017, contrariando as minhas próprias e de repente me pergunto se as coisas não teriam sido diferentes se eu tivesse acompanhado a turma da faculdade para Alemanha e não corrido atrás de Edu e de suas ideias megalomaníacas. Talvez, Edu e eu estivéssemos juntos e felizes sem ter enfrentado todos os estresses do ano passado... Ou talvez não nos restasse nem esperança por termos terminado definitivamente e Edu não me ligasse mais.

"Ele pode estar ligando para informar que não há mais esperança."

Corro para o quarto, ligo a TV bem alta e mando meu inconsciente calar a boca.

*8 - Trecho inspirado na obra de Martha Medeiros