Capítulo 12

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Inspiro, muito fundo.

— Se eu gostasse de seguidores, teria um canal no you tube — informo.

Fecho as pernas, giro o tronco para direita e lentamente me ponho ereta. Não encaro o sorriso enviesado do Ô do Jipe Vermelho e me acomodo na margem do rio, abraçando os joelhos sem tirar os olhos do céu.

— Bela performance! — Ele se senta próximo a mim e o revisar dos meus olhos se dá neles fechados. — Da lua! — Não dou confiança ao suave balançar da rosa branca. — Essa lua escalando as pedras é um dos melhores atrativos da vila. Para onde você vai nesses momentos?

— Como? — Seu timbre atinge meus neurônios e no ato reflexo, minha cabeça gira de encontro a seu olhar especulativo.

— Sua contemplação é intrigante. Você entra numa espécie de transe... Seu corpo está aqui, mas seus pensamentos... — Ele solta a rosa, eleva as mãos no ar, liberando toda intensidade do timbre melodioso — ...estão em outra dimensão.

Como ele sabe se somente hoje comprovei o efeito da natureza sobre mim?

A natureza, descansa meu espírito. Me deixa em paz comigo mesma, essa é a verdade!

Fixo o olhar na lua. Finjo não notar sua nova aproximação, nem seu sorriso com um leve toque de flerte.

— Descansa seu espírito!? Interessante sua fascinação.

A da sua voz também!

Mas ele é atrevido, leva cautelosamente seus dedos ao meu cabelo. Meus ombros retraem, mas não o rechaço, fecho os olhos instintivamente, e acho que o estimulo. Seus dedos escalam os longos fios negros esparramados por minhas costas e com jeito... com muito jeito, ele os enrola em um coque mal feito e imprime uma discreta massagem em minha nuca.

Isso é fascinante!

Um choque de voltagem insuportável parte de seus dedos, percorre feroz minhas terminações nervosas, contrai meu couro cabeludo enquanto os dedos dos meus pés têm leves câimbras. Cravo os dedos na areia para não encolher no arrepio. A mão bem posicionada, gira delicadamente minha cabeça, aproxima meus lábios dos seus. Sem oferecer nenhuma resistência acompanho seus olhos, eles vagam dos meus a minha boca, voltando aos meus. A respiração dele altera, sinto-a quente, acelerada sobre meu rosto. Meus pelos eriçam de vez e sentindo algo quente deslizando dentro de meu corpo, sei que estou sendo seduzida. Meus, avacalhados, batimentos cardíacos estão tão descompassados quanto o sobe desce do peito dele. Minha boca treme levemente ansiando ser invadida por sua língua. Vamos lá! Me beija. Por favor! Seus olhos se unem novamente aos meus, o brilho cor de mel não me permite piscar. Por um breve segundo, ele inspira fundo, depois afasta suas mãos de mim e para minha total decepção, suas mãos paralisam sobre seus joelhos e seu corpo vai para longe, empurrando a areia.

— Fiquei surpreso de encontrá-la no passeio, já estava conformado em nunca saber quem era a moça de lábios generosos que invadiu meu carro e deixou um sorriso encantador suspenso no ar — ele fala abusando do timbre melodioso, ao mesmo tempo que espreita o fundo dos meus olhos com a intensidade de quem quer descobrir um segredo.

Não emito qualquer comentário, pego a rosa e, analisando seu caule sem espinhos, não sustento seu olhar.

Ele é um estranho e me faz sentir estranha. Somente por ouvir esse lábios generosos, eu já o teria mandado para puta que pariu... mas, sei lá por qual razão, não tenho vontade. Ele provoca contradições entre meu racional e meu sentimental, um me manda levantar e ir embora correndo, pois sabe que cantar garotas, talvez, até colecioná-las, seja seu hobby. Mas o outro me manda pular no seu colo, ser mais uma bem-sucedida investida dele, quer agarrá-lo pelo cabelo, juntar meu corpo no seu e beijá-lo, beijá-lo até o lábio doer e a língua formigar.

Um dedo apoia meu queixo, paralisando meus músculos e meu cérebro. Delicadamente, ele eleva meu rosto na altura de seus olhos. Ele está brilhando à luz da lua, seu cabelo, suas sobrancelhas e sua barba estão cobertos por um tom prateado, como se sua aura estivesse exposta.

— Desde aquele dia em São Bartolomeu, eu quis reencontrá-la. Mas nem no mais remoto sonho pude imaginar você por perto e namorando um amigo. — Suas palavras claras, extremamente determinadas, realçam o estranho timbre de sua voz. Ele não faz um simples comentário, deixa claro o questionamento desprovido de rodeio.

Erick? Não é meu namorado.

Penso em esclarecer, mas isso aqui já foi longe demais.

— Acho melhor irmos andando — falo desviando os olhos.

Fim da brincadeira.

Ficamos de pé e no impulso do movimento ele prende minha cintura, sela nossos corpos, lábios, paralisa meus músculos, cérebro... Respirando tão profundamente quanto eu, ele passeia sua língua lentamente por toda a extensão do meu lábio superior, ainda mais lentamente, repete a tortura no lábio inferior, o prende entre os dentes e apoia a testa sobre a minha. Todos os meus sentidos entram em alerta máximo, ansiando pelo beijo. Mas antes de encontrar forças para empurrá-lo, ou para devorá-lo, me apresso em colocar uma perna à frente da outra para não perder o equilíbrio. Seu ato abrupto de soltar meu corpo, quase me leva ao chão.

— Você tinha de estar com meu melhor amigo? — ele murmura entre os dentes e sai em uma marcha desesperada em direção as casas sem olhar para trás.

Aturdida, fecho os olhos e, segurando a rosa sobre o peito, permaneço imóvel por alguns minutos. Quando os reabro, estou envolvida pela noite e nada mais me resta, a não ser, retornar em silêncio para o quarto e esquecer de tentar entender o ocorrido.

***

Abro a porta do quarto, depois do toc toc avisando Erick de minha presença.

— Até que enfim apareceu Mademoiselle. — Erick desvia os olhos do livro e pergunta curioso. — Pode-se saber onde esteve?

Ma chère, certas perguntas não se fazem a uma dama.

— Esse sorriso...

— Erick!? — Passo a mão na minha mochila e corro para o banho.

Não percebi que estava sorrindo.Inspiro, muito fundo.

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