Capítulo 35

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A radiante manhã de segunda-feira estende-se para dentro do escritório. O trabalho está descomplicado, as conversas deliciosamente amenas e ainda terei o prazer de não ver a cara do Hugo por dois dias, pois ele está no Espírito Santo resolvendo algum assunto no porto.

— Ligações para você, linhas dois e três. — Luiz tamborila os dedos sobre a "minha" mesa.

Agradeço.

Duas? De uma vez?

Sobrevoo os dedos sobre o teclado do telefone brincando: "Uni, duni, tê, salamê..." Teclo na de número dois.

— Ecoviva, Stella, bom dia!

— Que bom dia mais contente é esse? Ainda bem que está tudo bem e consegui achar você antes de sua mãe. — Minha consciência externa dispara, aflita. — Não tente me enrolar. Pode despejar tudo. Por que não atende o celular há mais de uma semana?

— Não sei. — Encaro aturdida o aparelho em cima da mesa. — Porque ele não tocou, acho. Oi, Carla, bem-vinda ao Brasil! Estou morrendo de saudades...

Ah! Estou mesmo! Eu adoro a Carla, do fundo do meu coração!

— Não enrola. — Ela realmente está aflita, nem recebo um caloroso oi.

— Não estou enrolando. — Não tiro os olhos do aparelho procurando avidamente compreender... — Putz! Burra.

— Hein?

— Você não é burra, Carla, eu que sou uma anta. — Abro a primeira gaveta e, sem nenhum esforço, acho o velho celular morto debaixo de uma pilha de papéis. Caio na gargalhada, só os acontecimentos da última semana para me fazerem esquecer uma coisa dessas. — Comprei um novo celular e esqueci de informar o novo número.

— Esqueceu? Nós estamos morrendo de preocupação e você aí toda distraída. Esqueceu da vida, isso sim! — Amo sua colocação convicta, isso sim! Carla é muito confiante, mas dessa vez a ansiedade na sua voz aciona o sinal de alerta. Ajeito-me na cadeira. — Sua mãe está a ponto sofrer um ataque de nervos com seu sumiço.

— Aconteceu alguma coisa de ruim na minha casa? — O não seco do outro lado me acalma e eu peço: — Me dê um segundo.

Transfiro a ligação para a sala vazia de Hugo. Na sua privacidade, ponho o celular antigo para carregar e o novo sobre a mesa. Aperto a tecla dois novamente.

— Que delícia falar com você!

— Stella, onde está sua cabeça? Você nunca deixa de mandar notícias.

— Me desculpe, foi sem querer. Não há motivos para vocês se preocuparem, estou adorando minha vida por aqui.

— Percebe-se, sua voz diz tudo. Mas agora não temos tempo para conversar porque você precisa acalmar sua mãe, ela deve estar tentando entrar em contato nesse exato momento. — Examino a tecla três, ela continua piscando, minha mãe, claro. — À noite você vai me ligar e contar, nos mínimos detalhes, o motivo dessa alegria toda. Sem querer estragá-la, você precisa saber que seu namorado...

— Ex — interrompo.

— Ex?

— Sim, Carla. Ex. — Não deixo o silêncio se estender, não quero seu peso sobre mim. — Edu terminou comigo.

— Ele se arrependeu. Pegou seu endereço na Ecoviva aqui de Piracicaba e está de malas prontas para buscar você.

— Sério!?

— Não deboche. Conversamos ontem, ele não entrou em detalhes, mas admitiu o próprio exagero em São Paulo. Disse ter posto a cabeça no lugar nesse tempo dado entre vocês e afirmou estar ansioso para a comemoração do dia vinte e dois de julho. Ele confirmou a festa, Stella! E não me pareceu estar brincando.

— Também não estou. Babaquice tem limite.

— Sua ou dele?

— Você ligou para me dar um sermão ou para me lembrar que tenho família, amigos e me dar notícias de que todos estão bem e morrendo de saudades de mim? — disparo exasperada.

— Liguei para lembrar que você tem uma vida a seguir. Desembucha. O que está acontecendo?

Sua firmeza me faz engolir a exasperação. Carla nunca amou ninguém, vive trocando de namorado, então, é desnecessário fazê-la entender o que é desapego e distração.

— Estou curtindo um bom momento! Um momento agradável de ter alguém do meu lado satisfeito pelo mero prazer de ser eu quem está ali. — Para ela, eu não minto ou omito nunca.

— Stella Lopes Ernanes, quanta ternura nessa voz. Pena ser um pouco tarde para você ter um caso, não?

— Nossa, Carla! — Sua frieza me faz explodir. — Cadê seus "Ais! Uis! Como ele é!?" — imito suas entonações quando ela é legal. — Eu conto que enfim estou vendo a vida por um outro ângulo e você...

— Lembro do que anda esquecendo. Você está se escondendo aí em Belo Horizonte. Espero que não se esconda desse cara também. Mais cedo ou mais tarde terá de encontrar Edu.

Ela não vai abalar meu bem-estar, não hoje!

— Carla, aqui eu sou somente a Stella com todos os meus defeitos. Deixe-me curtir esse bom momento, por favor? — Esfrego os olhos. — Já tenho a data da minha volta agendada. Daqui quatro semanas peço transferência e Edu vai ter que me engolir trabalhando na Ecoviva.

— Você sabe que as coisas não são bem assim. Precisamos realmente conversar, mas Álvaro está me esperando. Me liga antes de dormir e atenda sua mãe, por favor! Ela está genuinamente preocupada. Beijo.

— Beijo.

Encaro o velho celular, ele aceita funcionar depois de receber um pouco de carga. Há um grande número de ligações perdidas da Carla, da minha mãe, do meu pai, do meu irmão e dele.

Edu não virá.

Está blefando, se tivesse de vir, já teria vindo. Ele nunca mandaria recado pela Carla, covardia só faz parte do nosso repertório agora, depois da realidade desabar sobre nós.

Ele não virá.

Deslizo o dedo sobre as ligações perdidas. A saudade de Edu tem o exato comprimento de sua conveniência, todas ligações, sem exceção, foram feitas pontualmente às vinte horas e trinta minutos, horário em que eu era transformada em seu troféu. E ele sabe que velhos hábitos já foram mudados.

***

Assim que passo pela soleira da porta, deleto tudo que não cabe no meu bom momento. Entro na "minha" sala feliz por desfazer o mal-entendido entre mim e minha família e por saber que a vida segue em paz na minha verdadeira casa.

Mais feliz fico ao ler a curta e delicada mensagem enviada por Marcel. Atencioso, avisa que não terei o prazer de sua carona na volta para casa hoje à noite.

Mas nem o telefonema da Carla nem a falta do responsável pela minha atual satisfação abala o bom humor descoberto depois de meses escondido. Eu sabia que um dia teria de caminhar conduzida por minhas próprias pernas e hoje tenho a certeza de ter dado um grande passo. Só dormi nos braços de Marcel porque estou usando de toda sincera liberdade ao obedecer meu coração.



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