Capítulo 14

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Sonolenta, reviro–me na cama, ouvindo alguns sussurros fracos vindos provavelmente da sala, três quartos adiante ou do corredor. Um alto ruído de agitação me faz sentar. O gigantesco quarto está totalmente envolvido pela escuridão da madrugada, mas a silenciosa paz já se foi. Apesar do barulho da tempestade soar bem alto, o gemido de dor e urgência na fala estão ficando cada vez mais nítidos e um repentino clarão de relâmpago é suficiente para eu sobressaltar desperta por completo e, em seguida observar a cama de Erick vazia e a porta do quarto aberta. Fico de pé e, mesmo sabendo que o estrondoso trovão será ouvido a qualquer momento, me encolho de olhos fechados perto da porta quando ele ecoa estridente. Abro os olhos novamente, aperto o interruptor – nada de luz. Ignorando a escuridão, aguço os ouvidos, mas nem precisava, o característico barulho do motor de jipe roncando alto me faz correr em direção a porta de entrada da casa.

Uma fraca claridade na sala e a figura desconhecida de um homem de aparência hippie e molhado me faz estacar no meio do corredor. Ele geme ofegante ao celular segurando o tornozelo girado em uma direção totalmente improvável.

— O tromba d'água ainda está encobrindo a ponte. Porém, se os bombeiros não chegarem rápido e outro aguaceiro descer, a mulher presa dentro do carro corre o risco de não sobreviver.

Avalio seu rosto, ele está pálido sobre a luz do celular e provavelmente molhado, até a cueca. O ronco do motor de jipe soa mais perto dessa vez, o da tempestade também e mesmo sendo incapaz de dar sentido a essa situação, sou rápida em minha percepção, corro sem dar confiança ao homem e chego rápido ao gramado para encontrar Erick onde o imaginei, dentro de um dos Jipes. Hein!... Sobre o gramado, o carro não pode circular. Outra surpresa fica por conta de Erick estar atrás do volante do jipe prata de Daniel e Ô do Jipe Vermelho estar pendurado do lado de fora, com os pés apoiados sobre o estribo, ao lado de Erick.

Paraliso entre os faróis. Avanço sobre o estribo livre do lado do carona e antes de ser capaz de falar alguma coisa, a imagem de um fragmento branco atravessando a pele da perna de um homem deitado no banco do carona me faz recuar. O cheiro e a pequena poça de sangue, não são imperceptíveis mesmo na fraca iluminação do interior do carro. Um calafrio percorre minha espinha diante da urgência. Arranco a blusa do agasalho de moletom e a jogo sobre o osso exposto. Dedos trêmulos, a agarra e antes de vê-la ser transformada em um improvisado curativo, pulo na grama como Ô do Jipe Vermelho fez e bato a mão na lateral do Jipe.

— Rápido Erick — falo firme — salve o cara.

Dou um passo atrás e acrescento, não muito baixo.

— E mantenha-se vivo, por favor.

Erick buzina e arranca o Jipe. Ô do Jipe Vermelho, então, vem para o meu lado.

— Erick não corre risco, mas você sim. Molhada desse jeito, não ficaria surpreso se pegasse uma pneumonia. — Ele coloca sobre meu cabelo encharcado e meus ombros curvados de preocupação uma capa de chuva amarela e grossa, idêntica a sua. Segurando meu cotovelo, ele me conduz para dentro de casa. — Não se preocupe. Daniel investe em pneus grandes e o Jipe passará pela água ou pelas pedras sem maiores problemas. — Aproximamos do desconhecido e ele entrega o celular ao Ô do Jipe Vermelho. — Agora acho que você deveria se secar. — Nesse ponto, elevo os olhos carregados de pesar pelo dono da perna quebrada do chão, Ô do Jipe Vermelho encara meus seios e depois pisca para mim com uma malicia indecorosa inclinando a cabeça na direção do outro ocupante da sala.

Automaticamente avalio os olhos arregalados e a boca do sujeito semiaberta diante da minha blusa de malha branca, fina e totalmente colada sobre meus mamilos endurecidos pelo frio.

— Como conseguem arrumar espaço nessas mentes... — Aproximo as bordas da capa sobre o peito sem nenhuma delicadeza.

Privados do espetáculo, Ô do Jipe Vermelho me interrompe.

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