Capítulo 21

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   Não deixo Lara ir embora. Aviso seus pais, por telefone, que trabalharemos até tarde e, portanto, ela irá dormir no meu apartamento. Depois seguro sua mão, enquanto ela deita na minha cama e encara o teto.

O remorso toma conta de mim no exato momento que sinto seu toque frio, suado e trêmulo.

Não sei o que dizer. O minuto de prazer em ver a casa do Hugo cair, não vale o sofrimento estendido na minha cama. Sinto–me indigna de ser colega de Lara.

Separando seus dedos dos meus, ela vira de costas para mim e quebra o silêncio.

— Por que você fez aquilo? — Sua voz, quase inaudível, soa rouca por estar segurando o choro.

— Fiz o quê? — Envergonhada, faço-me de desentendida.

— Não se faça de boba. Todo mundo sabe que ele sai com outras... Inclusive eu. — Ela não consegue falar mais nada, enfia o rosto e a voz embargada no travesseiro.

— Lara, você vai me desculpar, mas Hugo não é homem para você. — Sou dura e não a acaricio, a realidade é essa.

— Eu sei... mas não consigo largá-lo.

— Se você não se der o devido valor quem dará, Lara?

— Eu sei! Sei todo a teoria. Mas enquanto eu não resolver aqui dentro. — Em um gesto abrupto, ela senta de frente para mim, põe a mão sobre o peito, na altura do coração, enche os pulmões de ar e continua. — Enquanto eu não conseguir olhar nos olhos de Hugo e ter certeza que não o amo mais, eu não vou conseguir ir adiante. Estou trabalhando esse processo há algum tempo, reconheço as atitudes erradas dele e sei que ele me enrola, mas isso só acontece porque eu permito. — Ela põe a mão novamente sobre o peito. — Mas ele está me desapontando e, mais e mais a cada dia, sua luz está apagando aqui dentro.

— Você está complicando sua vida. — Dou de ombros. — Seria mais fácil se você virasse as costas e agisse como se ele não existisse.

— Stella! — Seu tom horrorizado arregala seus olhos. — Questões da vida devem ser resolvidas e não puladas para não dar brecha a infelicidade. Se eu ignorar meus sentimentos e não os colocar em ordem, nunca mais tirarei Hugo da cabeça e eu mereço muito mais que isso.

Ui! Essa doeu!

Sinto a face arder como se estivesse com febre, muito acima dos quarenta graus.

Por essa eu não esperava. Mesmo depois de alguns instantes em silêncio, estou sem resposta e sem ação. Eu a achava uma sonsa por namorar o idiota do Hugo e descubro que sonsa sou eu. Ela pelo menos está trabalhando seu emocional a seu favor e eu, de tão esperta, não atendo as ligações de Edu e fico me intrometendo na vida dos outros sem resolver minhas próprias questões. Não resisto a sua proximidade, a envolvo em um forte abraço e ela corresponde, aperta seus braços ao redor de mim na mesma intensidade. Ah, preciso disso, ela é muito mais forte do que aparenta... muito mais forte do que eu. Não a solto, fico em seus braços por um longo tempo, saboreando a energia boa emanada dela, torcendo para que ela sinta alguma coisa boa vindo de mim e possa me perdoar.

— Vamos preparar algo para comer? — Sorrio, tentando estimular uma reação positiva em Lara. — Ainda estou faminta.

Ela levanta, toma um banho demorado e come muito mal. A noite passa sem conversas, os pensamentos dela estão distantes, vez por outra chora, mas acaba caindo no sono. Eu passo a noite em claro, refletindo sobre minha vida.

***

No dia seguinte, depois de acompanhar Lara até o táxi e avisar Luiz da impossibilidade dela de vir trabalhar, me aproximo de Erick.

— Oi. Como estão os preparativos da viagem? — Dou um beijo no rosto lisinho e cheiroso dele.

— Normal. — Ele sorri sem mostrar os dentes.

— Não sei se fiz a coisa certa. Lara está totalmente arrasada e eu também.

— Você contou sobre o Hugo? — Erick pergunta esbravejando.

— Mostrei.

— Stella! Isso não é problema seu... — ele diz e se levanta muito irritado — ... você não tem nada com eles. Você deveria procurar ajuda profissional, resolver seus problemas e largar a vida dos outros em paz. — Ele sai de perto de mim pisando duro e o que era uma ponta de arrependimento agora ocupa todo meu peito, mentira, me ocupa inteira.

— Droga! O cara estava chifrando.... — murmuro entre dentes.

"Chega Stella! O estrago está feito, agora, aguente as consequências."

Meu consciente é implacável, nem ele me perdoa, e vira as costas para mim.

Passo a manhã sem lugar, o escritório está pequeno e o trabalho pesado demais, definitivamente, não consigo me concentrar.

Saio do escritório antes do horário habitual para almoçar, somente para respirar ar fresco e encontro Hugo na portaria do prédio. Seu alhar de desdém e sua cara de nojo não interrompem meus passos, mas o giro de seu corpo joga o meu contra a parede.

— Feliz, recalcada?

— Pela Lara, não! Ela não merecia ter cruzado seu caminho, mas por você — copio seu olhar enojado — , estou dando pulos de alegria. Vê se aprende a tratar as mulheres dignamente.

— O que é seu está guardado. Você se meteu com a pessoa errada. — Ele dá um passo atrás, joga o cigarro no chão, gira o bico do sapato perfeitamente engraxado sobre a guimba e eu vejo algo se mover nas profundezas de seu olhar. Apesar das palavras ditas em tom intimidador, ele não consegue ser nada além do nome que lhe dei. É um Idiota Babaca e eu jamais gostaria de confirmar isso novamente.

Grrr! Homo sapiens desprezível.

***

Almoço remoendo os últimos dias. Minha vida estava indo bem, completamente diferente de Piracicaba, mas também muito boa. Encontrei pessoas legais, o trabalho se mostrou maravilhoso e o que eu fiz? Estraguei tudo. Devo ter um quê de louca, mesmo.

***

À tarde, Erick vai para a Bahia sem se despedir de mim, tornando meu sentimento de culpa um verdadeiro tormento. As palavras de Lara me rodeiam feito fantasmas "enquanto eu não resolver aqui dentro".

"Acho que você deveria voltar para Piracicaba, Stella. Atender o telefone não resolverá nada, mas uma boa conversa cara a cara."

"Nada disso! Se Edu quisesse resolver alguma coisa, viria aqui, Marcel não veio atrás de você?"

"Por falar, em Marcel, quem sabe uma chance a ele seja bem-vinda?"...

Arf!

Meu racional e irracional não conseguem encontrar um denominador comum, mas conseguem fazer minha cabeça doer à beça.

Suspiro e, para variar, corro na praça da Liberdade depois do trabalho. Minhas atitudes estão muito descontroladas e agora preciso sair de mais uma confusão.

                                                        ***

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