Ninguém aguenta sair várias noites consecutivas e encarar o volume crescente de trabalho sem que o corpo reclame das poucas horas dormidas.
Durante a semana, Marcel mantém a rotina de me apresentar à cidade, fazendo-me agradecer imensamente por se manter longe de minha casa e da possibilidade de encontrar com Edu. Mas o agradeço em especial pelos museus visitados.
Depois da aula de alemão na terça-feira, ele me deu uma corona e, antes de me deixar subir sozinha para meu apartamento, comentou a existência de vários pela cidade. Na quarta, conheci um deles, com jeitão de fazenda, rodeado por um jardim de árvores centenárias, onde um bonde, que antigamente circulava por BH, está exposto. Ontem, depois de passarmos por mais dois, no Circuito Cultural da Praça da Liberdade, acabamos em um charmoso restaurante no subsolo de um terceiro, o show de jazz por lá estava tão envolvente que fomos embora acompanhando os músicos.
Agora, na noite antecedente ao baile da Lili, me recuso a vestir algo que não seja meu pijama da Minnie. Minha imagem refletida no espelho me mostrou um cabelo emaranhado, uma cara amarrotada e uma bem marcada olheira, idêntica à de Lucas no auge das pós-noitadas emendadas. Assumo a preferência de ficar lendo um livro, muito bem esticada sobre meu confortável colchão novo. Mas, para minha frustração, em troca da minha carinhosa mensagem enviada a Marcel informando meu desejo de descanso, recebo um enigmático, prolongado e irritante silêncio.
Será que o magoei? Se sim, ele é um chato. Se não, ele sabe que estaremos juntos amanhã à noite e, quem sabe, também esteja descansando ou conversando com Erick ou Gui ou com a...
"Sem chance, Stella! Não vou por aí mesmo!"
Meu racional relaxado recosta-se junto a meu corpo nos travesseiros espalhados pela cama, depois de uma refrescante ducha. Deixo os maus pensamentos onde devem ficar, lá bem debaixo do esquecimento. Curto meu quarto pela primeira vez depois de Marcel me ajudar a transformá-lo no quarto dos meus sonhos.
Ele foi todo mobiliado em branco e, na parede branca, acima da cabeceira da cama e em parte do teto, nós colocamos adesivos discretos em formato de galhos de árvores repletos de folhas verdes, o contraste ficou muito agradável, até Lara concordou. Ao lado da cama, colocamos uma pequena mesinha de cabeceira, um abajur cromado de cúpula branca e uma caixinha porta treco muito estilosa. À frente da cama, a parede recebeu um rack e uma TV. Cortinas de tecido branco e leve completam a agradável decoração.
Ligo a TV, mas o toque do novo celular interrompe o noticiário. Sorrio ao ler na tela Dona Carmem.
— Carla distribuiu o número do meu novo celular — canto sorrindo e dançando. — Yes!
Atendo eufórica o celular.
— Mãe! O que está comendo pra lembrar de mim? — Ela libera um riso chiado, enquanto meu sorriso de satisfação por saber que Carla repassou o número do novo celular amplia.
— Estamos no Navegantes e liguei porque só falta você ao meu lado para minha felicidade estar completa!
Enquanto conversamos sobre minha alimentação, autocuidados e a casa, consigo visualizar a linda mulher que é minha mãe. Tenho muito orgulho em ser parecida com ela. Seus olhos amendoados estão sempre vivos e seus lábios carnudos se destacam quando sorri. Meu nariz delicado é idêntico ao dela. Em seus um metro e setenta de altura, minha mãe mantém os ombros aprumados e nossas semelhanças acabam por aí. Sua fisionomia permanece, aos setenta anos, quase a mesmo de quarenta anos atrás, sua pele clara continua uma seda e seus gestos requintados e elegantes condizem com sua paixão pela música erudita. Meu gosto por música pop tocada no último volume, meu modo de falar e meu comportamento transgressor foram motivos de inúmeras discussões entre nós na minha adolescência, mas nos aproximamos, após meu aniversário de vinte e dois anos, quando resolvi ser eu mesma.
Relato ao meu pai, por exatos cinco minutos, o quanto gosto do trabalho, conto sobre a empresa cumprir rigorosamente o contrato e as contas pessoais estarem em dia. Já, quando meu irmão assume o celular, perco a noção do tempo comentando sobre conhecidos em comum e sobre a satisfação de Álvaro em me ter entre seus funcionários.
Quando desligamos, recosto na cama e novamente não ouço o noticiário. O celular antigo vibra. O frio na barriga seca minha boca e meus braços se cruzam sobre meu peito no primeiro acorde de Nossa música.
Respiro fundo, sem desviar os olhos do aparelho, recolho os dedos fechando o punho, me recusando a tocá-lo.
Blefou!
Nesse exato momento, era para o interfone, a campainha, qualquer coisa, estar tocando, não o antigo celular. Eu mudei de vida e Edu não quer me acompanhar. Uma fungada espontânea me faz engolir o nó da decepção. Ele não estava de malas prontas para me buscar? Cadê coragem? Se blefou para saber minha reação, ela é a seguinte: continuo com o pé onde o coloquei. Dou outra fungada, mas ela não impede a lágrima de rolar sobre minha face. Eu nunca mais farei o que o meu coração não manda. Engulo outra lágrima e a próxima também, elas se acumulam em meu coração, fazendo-o doer à beça, porém, recuso-me a deixar outra rolar.
— Mentiroso. Covarde! — grito, repleta de desdém e encarando o celular.
Ele blefou, mas sabe que eu não blefei quando desci do carro do Álvaro, depois de passar o dia apreciando a beleza da cachoeira do Saltão e lhe disse que precisava mudar de vida. Blefou porque sabe que não blefei no meu baile de formatura quando lhe informei não suportar invasão de privacidade e muito menos no auditório Ibirapuera quando rasguei seu apelo monetário. Ele sabe que se não aparecer na minha frente e se não usar todas as palavras me convencendo de que me compreende e... e... inspiro muito fundo... e me ama como sou, não haverá pedido de transferência, muito menos festa no dia vinte e dois de julho... Nem eu e ele... Ele e eu... Nunca mais.
Sua falta de coragem de olhar em meus olhos confirma que meu maior temor do ano passado não era infundado. Edu não me quer. Não a Stella Lopes Ernanes que sou, ele só ama a Llá, a marionete – meu irmão me chamou assim mais de uma vez – obediente e à sua disposição.
Jogo o travesseiro sobre o celular e sento sobre ele. Abafo Nossa, agora definitiva, ex música.
Chegamos ao fim. Ele não virá e eu não me submeterei à vontade dele de voltar para vida que tinha em Piracicaba.
Aperto, no controle remoto, a tecla de aumento de volume ao final do noticiário e, mais uma vez, somos interrompidos. Meu pulo descontrolado enrola o edredom pelo chão no primeiro toque da campainha. Abro a porta do apartamento no tranco.
Ai. Meu. Deus!
A quantidade exorbitante de adrenalina liberada na minha corrente sanguínea interrompe meus batimentos cardíacos, suspende minha respiração. Não sei se pulo, se me contorço, se soco o ar ou se simplesmente caio de joelhos a seus pés. Em choque, consigo somente cobrir a boca exageradamente aberta com as mãos. Aprecio petrificada.....
XXX
E aí? Quem tocou a campainha? Façam suas apostas e me ajudem a divulgar o livro.
Se estiver gostando indique para as amigas, se não estiver para os inimigos...Kkk. Brincadeirinha, mas se novos leitores surgirem libero a resposta e mais capítulos... o baile está chegando, novos fatos aconteceram e a partir dele a história tomará um novo rumo.
Vamos lá! Beijo enorme e fiquem em casa!
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Quatro Semanas ( Degustação. Disponível na Amazon)
Roman d'amourStella Lopes Ernanes é uma jovem cansada de ser submissa aos desejos do namorado. Decidida a ser ela mesma e dona do próprio destino, diz sim ao novo emprego e sai da casa dos pais para morar sozinha em uma cidade desconhecida. Quatro Semanas depois...