Capítulo 22

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Aceito acompanhar Lucas na balada depois de uma péssima semana e de uma sexta-feira ainda mais tenebrosa. Encarei a mudança, o supermercado, a compra de uma cama e de um colchão de casal, não bastasse tudo isso: com Erick tendo viajado e Lara não ter me mandado notícias, ainda fui perseguida por Hugo a maior parte do dia. Ele inventou mil maneiras de implicar comigo, a mais ridícula foi alegar que meu exagero no número de mudas de eucalipto estipulado para a fazenda Flor da Terra, fez o senhor Henrique, o proprietário, desistir do reflorestamento. Mas o senhor Henrique resolveu criar gado, investir em pasto, e a mudança de ideia do homem é culpa minha? Aff! Lucas teve pena de mim, fez o convite e eu aceitei imaginando encontrar algum alívio na minha confusão ao passar algumas horas em num lugar descontraído, mas suspeito de não ter feito uma boa escolha. Lucas conhece, sem exagero algum, todo mundo! E me deixa a maior parte do tempo sentada em um banco em frente a uma mesa acompanhada somente de uma dose de cuba. Quando está por perto não senta, solta alguma trivialidade, logo depois informa: "Dá um tempinho? Já volto" e eu fico sozinha de novo.

Lucas é infernal!

Enquanto meus dedos se ocupam em girar o canudinho entre as pedras de gelo, observo a casa noturna, espantando as ocorrências de minha vida para o porão do último andar do meu subconsciente. A casa noturna escolhida por Lucas não poderia ser mais surpreendente, ela possui uma acústica maravilhosa, a banda está arrasando na apresentação e o local, além de muito agradável, está repleto de gente bonita. O cara e a moça da mesa ao lado se beijam e minha atenção é arrastada de suas bocas para o Louboutin dela. Qual mulher não gostaria de ter um desses para chamar de seu? Eu. Encaro meu reluzente caro sapato.

*

- Sou um cara de sorte! - Edu abre a porta do quarto. - Obrigada por deixar nossa mais importante página nas redes sociais ativa, depois do "Lolla" você mesma a apagará, se esse ainda for seu desejo. - Ele encosta a cabeça no batente da porta. - Minha estrela já nasceu a mais brilhante da constelação. Além de ser exageradamente talentosa, é maravilhosamente linda. Você, nesse vestido... - Ele morde o lábio inferior, me avaliando nitidamente admirado. - Superou todas as minhas expectativas, mas falta o toque final.

Estou paralisada na frente do enorme espelho do luxuoso quarto de hotel, observando o reflexo de Edu.

- Não vou usar esse vestido. Todo mundo vai ver minha calcinha - reclamo sem me conformar com o exagero de pernas expostas. Edu sorri.

- Você é charmosa o suficiente para não deixar isso acontecer.

Ele caminha na minha direção, escondendo as mãos nas costas e exibindo todo seu contentamento em poder me exibir no Lollapalooza.

- Minha estrela brilhará e a noite de 26 de março de 2017 será para sempre comemorada. - Edu gira ao redor de mim, beija a base do meu pescoço, desliza os dedos na pele nua de minhas costas entre as rendas bordadas do vestido. - Vestido perfeito, cabelo perfeito, maquiagem deslumbrante - diz e, então, beija meus lábios e estende as mãos -, e o sapato do nosso conto de fadas.

Agora que estou tento a oportunidade de avaliar meu relacionamento de longe, tenho certeza que eu ficaria muito mais feliz se Edu tivesse me dado a devida atenção ao invés do sapato. Suspiro desolada. Três meses depois do Lollapalooza, nossa vida tinha virado um redemoinho de compromissos inadiáveis, misturados às provas de faculdade e, naquela altura, o Louboutin já havia sido usado um número considerável de vezes. Quando finalmente o dia 10 de junho de 2017 chegou, pude calçar meu tênis e partimos para o tão sonhado final de semana no hotel fazenda, levando na bagagem o maravilhoso vestido usado no Lolla para ter o bordado removido, enquanto Edu participava de um evento publicitário. Após dois dias, eu já havia explorado todos os cantos do hotel durante as longas e solitárias caminhadas diárias, mas no último dia, enquanto eu ansiava pelo nosso minuto a sós, tive tempo suficiente de remover toda pedraria restante do vestido e recuperar o estilo bacana da renda branca rústica, tive tempo até de me recuperar das mãos indevidamente enfiadas entre minhas pernas.

Arhg!

Não! Não! Não! Por que apareceu somente muitas horas depois daquele homem ter sido tirado de cima de mim, Edu? E por que, agora, em período de calmaria, não venho ganhando sua atenção? Quatro semanas e meia se foram desde a maldita batida de porta e nada de você aparecer!

Ah!

Não! Não! Não! Sapateio nas lembranças. Chega de remoer o passado! Vá a merda, Edu! Viro toda a bebida goela abaixo e meu consciente reflete.

"Nunca mais irá se repetir algo do que aconteceu em 2017, simplesmente, porque aquela vida não existe mais e eu começo a desconfiar que Edu e você, também não".

Alongo a coluna e estufo o peito, preciso concentrar energia na minha vida atual, o passado é imutável, mas o que estar por vir ainda pode ser uma vida feliz.

Abandono as reflexões, suspeitando de meu consciente estar certo. O rosto de Edu, em minha mente, está começado a virar uma imagem borrada pela falta de contato e de carinho. Elevo os olhos, retribuo o sorriso entre lábios da moça que estava aos beijos e, neste momento, está em pé ao meu lado, comparando nossos sapatos.

Sim, são idênticos!

Mudo totalmente o rumo dos pensamentos quando ela some na pista de dança e duas amigas ocupam a mesa ao meu lado. Elas também são bonitas e verdade seja dita, as mulheres dessa cidade além de serem bonitas têm estilo, equilibram roupas e maquiagem dentro da personalidade de cada uma e ficam ainda mais bonitas. Avalio meu vestido de renda branca sem resquício do bordado e amplio o sorrio. Hoje estou tão bonita quanto elas, valeu a pena ter gastado um bocado de tempo me preparando para sair, só peguei o táxi quando o reflexo no espelho me convenceu a fazer uma trégua.

Eu e minha imagem continuamos em paz, mas meu sorriso se afasta de meus olhos, dessa vez, o minutinho de Lucas equivale a horas no conceber da minha solidão. Suspiro baixinho e, sem querer exagerar na observação das pessoas, resolvo ir ao banheiro para explorar o lugar e afastar a perigosa angústia que vem se aproximando de meu peito. Contorno a pista de dança e paro em frente ao balcão comprido de madeira maciça de um dos bares onde os barmans malabaristas lançam copos e garrafas no ar. A pequena plateia está de boca aberta acompanhando o espetáculo e eu abro a minha ao reconhecer o ocupante do último banco em frente ao balcão. Envolvido em uma embalagem completamente diferente, Marcel tem os ombros largos destacados pela camisa social branca, a calça preta contorna suas pernas com perfeição, o cabelo está alinhado para trás e a barba não está por fazer.


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