Capítulo 38

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   — Lili, socorro! Preciso de um vestido para sua formatura.

Peço em tom de súplica e, logo, a inconfundível entonação de Lili alegra a manhã de terça-feira.

— Prepare as "canelinhas", fofa. Você vai amar a moda mineira.

O ar abafado do final da tarde ensolarada do mesmo dia se junta a nós na praça da Savassi. Caminhando, vamos por uma rua e depois voltamos por outra, repetindo o processo nas incontáveis ruas paralelas do bairro e, agora, entendo porque esse é considerado o mais badalado bairro da capital mineira. Impressionante, como em um só lugar a gente encontra atrações turísticas, cultural, bares, restaurantes, boates, lojas populares ou descoladas, hotéis... ou seja, tudo! Tudo que um ser humano possa pensar em querer está aqui.

Lili escolhe a dedo as lojas onde entra, mas sem critério algum interrompe nossos passos para avaliar a grande maioria das vitrines. Que ela é curiosa, falante, divertida, de extremo bom gosto, até aí, novidade alguma, hoje, minha admiração fica por conta de seu profundo conhecimento sobre o mundo fashion e emocional. De tudo ela entende muito, sabe qual maquiagem está em alta, o que combina com o quê e de qual alimento determinada alma carece. As palavras pronunciadas ao pé do ouvido da vendedora chorosa de uma loja de cosméticos têm um lindo efeito. A moça perde a postura corcunda, empina o bumbum e eleva os lábios no semblante sereno depois de absorver as palavras ouvidas.

As duas sorriem e eu solto meu corpo sobre o enorme pufe cor de rosa enquanto meu racional encara o frio das lembranças destrancadas das profundezas do porão do meu subconsciente.

O último baile em que estive foi meu próprio baile de formatura e ele se transformou em um verdadeiro desastre no hall de entrada da festa mais esperada do ano por mim, não por quem estava ao meu lado, quando uma garota bonita, de corpo tatuado e totalmente histérica começou a gritar meu apelido do meio da rua. Os seguranças, os inúmeros convidados que chegavam para a festa, o pessoal do cerimonial e as pessoas que passavam pelo local pararam para observar o espetáculo. Ela gritava, pulava e gesticulava. Virei o centro das atenções sem ter tempo de suspeitar dela estar me confundindo, não, ela sabia muito bem quem eu era, meu apelido estava escrito em enormes letras brilhantes para sempre em seu braço. Edu mandou que ela se aproximasse e todos ao redor se afastaram. Achei que ele iria discretamente abafar a confusão, mas ele a atirou em meus braços e a garota me abraçou, beijou e, tirou fotos em um terrível ritual de selfies. Abraços, beijos e juras de amor eterno se estenderam por mais de uma hora ali no hall. Perdi o vídeo mostrando minha trajetória universitária e todas as pequenas brincadeiras dos colegas na primeira parte da formatura.

Eu ainda não perdoei Edu por isso. Ainda continuo puta da vida por ele ter abraçado a moça tatuada, convencido os seguranças a liberar sua entrada no baile e, além de tudo, tê-la convidado para mais de um brinde.

*

— Eu não sou a Llá... Pelo menos, não aquela que está tatuada naquele braço. — Quando a moça tatuada aceitou dançar com Thiago, puxei Edu para o discreto canto escuro ao lado do palco. — A brincadeira acabou. Não suporto estar envolvida em um tumulto como o que acabou de acontecer. — Tomei fôlego, meu coração estava socando meu peito e aquela sensação de estar sendo esmagada era... é muito ruim. — Depois do show da Marina Poeta, ou melhor, depois do dia vinte e quatro de fevereiro de 2018, aquela Llá tatuada será enterrada...

— Llá, é loucura você negar — Edu me interrompeu. — Você é admirada.

— Aquela garota não pode me admirar pelo que não sou. — Segurei o rosto de Edu entre minhas mãos e cravei meus olhos nos seus. — Ouça: segurei a carreira de engenheira, serei Llá somente para você e quando mais ninguém estiver por perto. Minha privacidade não tem preço.

Seus olhos tremeram e ele os abaixou. Deu um passo atrás, suspirou pesado mais de uma vez e, ao invés de dizer: "Tudo bem! Eu amo você!", argumentou em defesa do estardalhaço, fazendo-me desferi vários socos em seu peito em um acesso de raiva e dor, implorando aos Céus para que ele olhasse para quem realmente estava à sua frente!

— Sou uma pessoa simples que quer ser amada pelo que é.

Edu ignorou os golpes e, sem querer ouvir mais nada, saiu de perto de mim. A banda iniciou o intervalo e o baterista, amigo de muitas noitadas, trouxe um drinque, envolveu meus ombros, secou minhas lagrimas e...

*

As inconfundíveis risadinhas de Lili são ouvidas lá longe. Meu corpo se coloca ereto de modo automático e meu consciente desenterra, num único puxão, minha cretinice.

"Até agora, Edu não sabe se você pegou ou não o baterista."

Mas meu irracional não se esmorece.

"E vai morrer seco sem saber no que depender de mim. Quem mandou ele me deixar sozinha, voltar para o lado da garota tatuada e contar inúmeras vantagens sobre o futuro de fama e dinheiro que o aguardava ao lado da Llá."


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