Capítulo 76

30 1 0
                                    

Nunca percebi o porquê que o tempo parece passar mais rápido quanto gostamos do que estamos a fazer, parece-me uma injustiça de todo o tamanho, contudo é bem verdade. Horas e horas podem passar a correr entre 3 pestanejares e um suspiro. As conversas que bóiam continuamente no ar puro da madrugada, junto à janela entreaberta, eram um reflexo do tempo bem passado. A função mais complicada era entregue aos olhos, só estes eram capazes de transmitir as frases que a boca não conseguia dizer, por algum motivo.
Tudo isto foi-me possível confirmar na presença da mais incrível mente que eu passara a conhecer melhor. Apesar da paisagem que tínhamos sobre Holmes Chapel estar imperceptível pela escuridão, ela era capaz de observar a mais pequena luz, bem lá ao fundo, e ajudar-me a encontrar a mesma. A luz era branca, eu tinha a certeza disso, mas a Emma insistia em dizer que tinha todas as cores do arco-íris, bastava decompo-la. Acreditei nela, mas não porque os seus conhecimentos de química eram surpreendentes. O que me levou a acreditar naquela tese, foi a convicção nas suas palavras e o modo como me expôs, sem hesitações, a sua opinião sobre a luz aparentemente monótona.
A habilidade de apenas ficarmos sentados, durante horas a fio, a falar sobre tudo e nada, era mais atraente do que outra coisa qualquer. Se eu anteriormente já amava a Emma, não sei que tipo de sentimento superior a esse poderia o meu coração guardar naquele momento em que a observava a dormitar na cama. Aquilo que eu sentia por ela fazia-me lembrar aquilo que eu sentia pelos meus ídolos de infância ou adolescência. Um desejo infinito de também ser assim quando crescesse, de fazer coisas fixes como eles fazem, de ser tão boa pessoa como eles. Eu sentia por ela uma enorme admiração, acrescentada ao amor, claro, como pelos bonecos da televisão ou cantores do início do século. Ok, ela era capaz de se sentir ofendida se me ouvisse a dizer aquela comparação em voz alta, mas serve como exemplo até arranjar um melhorzinho.
Às 8 horas e 56 minutos desta manhã, enquanto tomávamos o pequeno-almoço na cama porque nenhum dos dois tinha vontade de se levantar, o telemóvel dela vibrou causando-nos grande surpresa. Primeiro, porque nós ainda não tínhamos utilizado nenhum tipo de tecnologia desde que chegáramos aqui; segundo, quem é que estaria a telefonar àquela hora no dia a seguir ao São Valentim?
A Emma lá cedeu ao barulho irritante do vibrar do telemóvel sobre madeira e viu o contacto do George mesmo em frente aos seus olhos. Houve uma pequena conversa de circunstância, seguida de um pedido de desculpas pelo horário a que estava a ser realizada a chamada, mas, rapidamente ele foi direto ao assunto. Duas revistas de dança, com longos anos de história e bastante credibilidade, queriam que a recente bailarina principal do Royal Ballet fosse a sua nova capa. Afirmaram com convicção que tinham estado com atenção ao trabalho da Emma e até a classificaram a como a perfeita combinação entre rigidez e suavidade, duas coisas que é raro serem encontradas juntas. Ela ficou estática, com o telemóvel pousado no meio das suas pernas à chinês, e o som do George a pronunciar Dance e Pointe. Eu podia não perceber de dança, mas aquilo era importante, certamente, tendo em conta a quantidade de vezes que já tinha visto a Emma com aquelas mesmas revistas na mão.
Olhei em frente e tinha um retângulo branco que marcava dentro de si um dos momentos em que eu fiquei mais orgulhoso da minha bailarina. Uma das suas pequeninas mãos estava fechada perto do coração, a outra estava entrelaçada na minha, pousada em cima de uma coxa dela. A sua expressão parecia contraditória porque ela chorava e ria ao mesmo tempo com a sua mais recente conquista.
Depois de o diretor da companhia desligar o telemóvel, a minha namorada atirou-se para cima de mim enquanto gargalhava e abraçou-me com toda a força que tinha, eu podia senti-lo. Beijei o seu cabelo e disse que não podia estar mais orgulhoso dela, que a amava e que ela merecia tudo de bom que este mundo tivesse para oferecer. A minha única dúvida era se eu a merecia... Nah, não ia pensar nisso naquele momento, não quando a minha bela namorada abria os olhos castanhos com toda a calma do mundo.

- Quanto tempo é que tive a dormir? -ela perguntou nitidamente lembrando-se que estivemos acordados desde o meu ataque de asma até as 11 horas da manhã. Sim, adormecemos à hora em que devíamos estar a acordar.

I hate myself because I love youOnde histórias criam vida. Descubra agora