🟢Capítulo 2/1 - Müller

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Cinco anos, seis meses e vinte e quatro dias como neurocirurgião no Metropolitan e não houve uma única vez em que meu nome ausentou-se do quadro de cirurgias por mais de cinco dias, seis horas e vinte e quatro minutos seguidos.

Cortez, o chefe de cirurgias, vivia dizendo que eu precisava tirar férias, mas estava ciente de que era da boca para fora, já que por dentro ele morria de medo que eu finalmente desistisse seguir seu conselho. Ele costumava dizer também, que eu desconhecia o significado do termo folga. Bom, conhecer a etimologia da palavra, eu até que conhecia, na verdade, conhecia tão bem quanto sabia trepanar um crânio, pena que na prática eu sequer me lembrava qual foi a última vez que tirei uma folga de verdade, sem ter na agenda uma convenção ou congresso para me ocupar.

Aqueles eventos eram mais eficazes para minha insônia do que qualquer calmante natural que eu tenha tentado nos últimos tempos. Bastava um dos palestrantes começar a falar para dar início a uma série de longos bocejos. Eu devia ter perdido, entre um cochilo e outro, mais um discurso, brilhantemente inútil, sobre uma droga experimental para a curar do mal de Alzheimer.

Sacudi a cabeça, afastando a lembrança do final de semana e chequei a maçaneta da porta metálica que levava ao terraço, contatei que estava emperrada, tão logo conclui que teria que arromba-la. Por desventura ainda era segunda-feira de manhã, portanto aquela situação certamente se repetiria por enumeras vezes ao decorrer da semana, como vem se repetindo semana após semana desde o início do inverno.

Usar da força bruta como solução não era do meu feitio, no entanto, eu precisava respirar um pouco de ar puro antes da próxima cirurgia, mesmo que as temperaturas não fossem das mais adequadas para se ficar no heliporto, o próximo procedimento me prenderia por muitas horas à sala de operatório e isso me deixava sem opção de escolha.

Recuei um passo, preparando-me para acertar a porta com toda a força, porém acabei desistindo ao me lembrar da luxação que o impacto de sábado havia me causado. Aquilo reduzia-me a tomar um pouco de oxigênio pela pequena janela da sala de descanso do quinto andar, já que também não teria como usar o ombro esquerdo, que não estava muito melhor que o outro.

Fiz alusão de afastar-me, porém a porta foi aberta abruptamente do lado de fora, fazendo-me desistir e virar novamente em sua direção. Estava mais assustado do que curioso, pois eu sabia exatamente de quem se tratava, porque além de mim só mais uma pessoa viria até o heliporto sem que se tratasse de uma emergência.

- Esse café é para mim? - perguntou Isaac, apontando para o copo térmico, que eu tinha até me esquecido que segurava.

O anestesiologista usava o meu moletom branco por cima de seu pijama cirúrgico vermelho-bordo, moletom esse que lhe fazia parecer gordo, já que seus ombros eram estreitos demais e o tronco bem menor que o meu. A blusa também lhe ficava curta devido a diferença de altura entre nós, diferença facilmente notada. Isaac media um metro e noventa e quatro; eu, treze centímetros a menos.

O capuz do agasalho protegia seus cabelos dos flocos de neve, cobrindo por completo seus cachos rebeldes ao mesmo tempo que acentuava a cor de seus olhos, que estavam tão cinzento quanto o céu sobre nossas cabeças.

Quase que automaticamente voltei minha atenção para uma das mãos pálidas de Isaac, deparando-me com o motivo que lhe trouxera a cobertura do hospital, mesmo com os termômetros marcando menos três graus - um cigarro.

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