🔴Capítulo 12/2

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       Já passava um pouco das cinco da manhã quando deixei o Uber e adentrei o aeroporto correndo. A última chamada para a área de embarque do meu voo ecoava dos alto-falantes, e eu sequer tinha passado pela fiscalização, que ficava do outro lado do saguão.

    Perder a hora constantemente nos últimos meses e ter que correr até o hospital, me veio à calhar naquela madrugada. Consegui embarcar no último segundo, meneei a cabeça em cumprimento à aeromoça sorridente que me aguardava na porta e fui à procura da minha poltrona, na classe econômica. Guardei minha bagagem de mão no compartimento e me sentei, colocando os fones de ouvido, para voltar a dormir e não ser interrompida pelas próximas sete horas e meia.

     De fato, só acordei durante uma pequena turbulência antes do avião aterrissar. Cruzei o aeroporto a passos largos e entrei no primeiro táxi disponível, estacionado do lado de fora.  O amarelo do carro se sobressaia em meio a paisagem alva da neve, a fina camada cobria tudo a perder de vista.

     A ausência de trânsito me possibilitou almoçar um belo hambúrguer com fritas, numa lanchonete modesta em frente ao hotel escolhido para o congresso,  enquanto praguejava pelo frio insuportável e repassava as observações a fazer depois da curta apresentação sobre o estudo.

     Cruzei a rua e peguei um panfleto no balcão do hall de entrada, com toda a programação do evento. Depois fui direcionada por uma bonita mulher até o auditório preparado para as apresentações.

     Assisti ao final da palestra de uma cirurgiã sobre neuroplasticidade. Ao fim desta, um homem de meia idade subiu ao palco e comunicou que teríamos um intervalo das atividades, para que a sala fosse organizada para a exposição de painéis contendo os artigos escolhidos, do quais o meu e de Camille também faria parte.

     Todos se dirigiram até a pequena sala anexa, onde havia uma longo mesa com aperitivos e garrafas térmicas com bebidas quentes. Fiz menção de ir de encontro a um copo de qualquer coisa fumegante o bastante para acabar com meus calafrios, quando a voz masculino vinda de algum lugar atrás de mim disse:

     — O café puro está na segunda garrafa da direita, mas acredito que não está forte a seu gosto.

      Aquele, com toda certeza, era um timbre que meus ouvidos se lembrariam passasse o tempo que for. A mansidão com que pronunciava cada palavra era única, e combinada à frequência extremamente grave e nasalada, além de fazer de sua voz estranhamente atraente, também me ajudaria a reconhece-lo em meio a uma multidão de pessoas falando ao mesmo tempo.

     Tratei de desfazer o sorriso involuntário, antes de me virar para encarar sua face parcialmente recoberta pela barba.

      — Como pode saber se você não toma café? — questionei afrontosa. — Não me diga que o sábio doutor Müller errou a garrafa.

      Ele apenas esboçou um sorriso e caminhou com cautela em minha direção, mancando com certo decoro. Seu perfume chegou a mim antes dele, e seu vestuário elefante me fez sentir desarrumada mesmo dentro de um justo macacão longo tão negro quanto o sobretudo que usava para me aquecer, junto de botas coturno e cachecol azul de bolinhas.

     — Pensei que odiasse usar coleira — acrescentei zombeteira, me referindo a gravata ao redor do pescoço dele, que era de um cinza mais escuro que o terno e colete usados sobre a camisa da mesma cor, porém dois tons mais claros que eles.

    — E eu, que você só usasse pijama.

     Juro que tentei sentir raiva dele, mas seria hipócrita de não admitir que tê-lo acompanhando  minha apresentação da primeira fila e depois aplaudido com sinceridade, significou muito para mim.

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