🔴Capítulo 10/2

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Com meu único conjunto limpo ficou todo ensopado, fui até o vestiário e coloquei um jeans desbotado e uma camiseta preta do Darth Vader, por baixo do jaleco que abotoei até embaixo. Assim, evitaria um olhar enviesado daquele que, com certeza, teria se livrado do short fino e coberto o corpo viril com seu uniforme impecável e seco.

Nossos olhares se atraíram quando adentrei a baia na ala de trauma, tão logo o contato se dissipou. Camille lhe entregou tablet, provavelmente com o resultado da tomografia que havia feito antes de chegarmos.

— Não se lembra dele? — Estranhei o fato da voz rouca estar se dirigindo a mim.

— Acho que não. — Li o nome do paciente no prontuário preenchido à mão por alguém da enfermagem. — Porra, é o pai do John. Foi mal — Cobri a boca em auto repreensão pelo palavrão, Camille conteve o riso, e Müller apenas revirou os olhos. — Li um artigo que ele escreveu, mas não cheguei a conhecê-lo.

— Isso não é Parkinson. — Devolveu o computador à médica, que logo passou a mim, para que também pudesse ver o tumor. — Eu me lembro, ele se auto diagnosticou. Sullivan era um bom neurocirurgião, não confundiria algo assim.

— Ele não passou por nenhum tratamento em seis anos? — questionei.

— Acho que vamos descobrir. Ele está acordando — informou Camille.

— Dr. Sullivan, o senhor sofreu um acidente. Faz ideia de onde está? — O mais velho assentiu. — Está me conhecendo?

— Esses pelinhos na sua cara são um disfarce por acaso, Nathan?

— Vejo que seu humor não mudou nada.

— Infelizmente o seu também não. — O homem tocou os pontos falsos em seu supercílio. — Brigou com a  Amber de novo? Se me lembro bem, você só usava barba pra irrita-la.

O mais jovem forçou um sorriso, mas se esquivou logo:

— Por hora, seria melhor conversarmos  sobre o resultado da sua TC.
O bolo na minha garganta se desfez quando o dispositivo soou no meu bolso. Enzo nunca me bipou em tão boa hora.

Caminhei até a área das cortinas e pensei nela examinava a garotinha, na mulher do porta retrato na estante de livros no apê do meu supervisor. Cabelos longos e lisos, o fototipo de pele perfeito, negra e radiante, e o corpo de uma deusa. Cogitei a possibilidade de ter dormido na cama dela, de ter sentido a boca e o corpo que pertencem a outra, mesmo que sem intensão. Meu estômago se revirou pela aliança na corrente junto ao pescoço, pela foto do dia do casamento deles entre os livros.

— Terra chamando, Mel — A voz aguda de Julie me trouxe de volta. — Eu perguntei se você sabe se a Lídia tá por aí?

— Nunca mais a vi depois que teve alta. — Não era mentira, mas era preciso omitir que a senhora recebeu alta pelo legista. — Pode perguntar para o Müller quando ele for te visitar.

— Então ela vai ficar internada? — perguntou a mãe da garota frustrada.

— A febre é uma forma dos nossos soldadinhos de defesa tentarem eliminar um invasor, fazendo ele passar muito calor. Caso não funcione, serve de aviso para nós, aí reforçamos os soldados com um remedinho especial. — Expliquei de uma forma que a pequena compreendesse, depois direcionei a fala a mãe: — Precisamos tratar qualquer processo infeccioso, para não adiarem a cirurgia.

A mulher não contestou , então me retirei da baia e fui em direção ao elevador depois de deixar instruções para a transferência da garota no posto da enfermagem. Corri e coloquei o braço entre as duas metades da porta, o sensor de movimento a fez se abrir novamente, expondo o neurocirurgião de braços cruzados, recostado na parede gélida aos fundos.
O homem me fitava por intermédio das paredes espelhadas, ato que depois de três andares começou a ficar incômodo.

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